quinta-feira, 28 de março de 2019

EXPLICANDO MELHOR O CONCURSO DE CRIMES NO DIREITO PENAL

O concurso de crimes está inserido no nosso ordenamento jurídico na parte que disciplina a aplicação da pena, mais precisamente nos Artigos 69, 70 e 71 do Código Penal.

Tem-se o concurso de crimes quando um único agente, mediante uma ou mais ações, comete dois ou mais crimes, seja da mesma espécie ou não. Vamos as modalidades.

CONCURSO MATERIAL – ART. 69 DO CP

Art. 69 – “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela”.

·      Requisitos:
Duas ou mais ações - Dois ou mais crimes.

Nesta primeira modalidade, um único agente, através de duas ou mais ações, comete dois ou mais crimes da mesma espécie ou não.

Exemplo: Bruno invade uma farmácia e anuncia um assalto hoje. Logo, cometeu o crime de roubo previsto no art. 157 do CP. Amanhã pula o muro de uma residência e subtrai para si uma bicicleta que lá estava guardada. Logo, cometeu o segundo crime denominado de furto previsto no art. 155 do CP. Depois de amanhã atira contra seu rival, tirando-lhe a vida. Logo, cometeu o crime de homicídio previsto no art. 121 do CP. Note que neste caso o mesmo agente, através de mais de uma ação (três), cometeu mais de um crime (três). Este é o caso típico de concurso material. O mais fácil e o mais comum de entender.

·      Consequência:
As penas são somadas (cúmulo de penas).

Neste caso, como o agente cometeu mais de uma ação e praticou mais de um crime, que não tem nenhuma relação entre si, será condenado por cada um deles isoladamente, ou seja, somar-se-ão as penas de cada um delito. Ele será condenado pela prática dos três crimes isoladamente, nos termos do art. 69 do CP. As penas serão cumuladas.

É importante salientar que em havendo cúmulo de penas (reclusão e detenção), a execução se inicia pela pena mais grave, ou seja, inicia-se a pena de reclusão e depois a de detenção (parte final do art. 69 do CP).

Nos termos do Parágrafo Primeiro do Artigo 69 do CP, no concurso material, ainda se existir aplicação da pena privativa de liberdade, não suspensa, não cabe a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, prevista no art. 44 do mesmo Diploma Legal.

Outra observação importante a se fazer é a que consta no Parágrafo Segundo do Art. 69 do CP. Diz o Código Penal que quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais. Isso quer dizer que deve existir uma maneira natural de conciliação tanto de aplicação da pena, que naturalmente se imagina que seja de uma para cada crime e também a de execução, ou seja, vamos executar todas as penas na medida do que seja basicamente possível. A pena privativa de liberdade deve ser executada sucessivamente. O agente não pode cumprir simultaneamente duas penas privativas de liberdade, mas pode cumprir concomitantemente duas penas restritivas de direitos, desde que faticamente seja possível. É o que revela este § 2º do Art. 69 do CP.

Isto é que se pode dizer, de forma resumida, sobre o concurso material. Passemos agora ao segundo instituto denominado de concurso formal.

CONCURSO FORMAL – Art. 70 do CP

Art. 70 do CP – “Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior”.

Espécies:
·     Concurso formal próprio ou perfeito (Art. 70 – 1ª parte)
·     Concurso formal impróprio ou imperfeito (Art. 70 – 2ª parte)

Requisitos:
Uma ação ou omissão provoca dois ou mais crimes.

No concurso formal próprio o agente, através de uma ação ou omissão, comete dois ou mais delitos de natureza culposa ou um delito de natureza dolosa e o outro por erro de execução.

(Um desígnio - Exige uma ação ou omissão que resulte em dois crimes culposos ou uma ação ou omissão que resulte em um crime doloso e um crime culposo).

1º Exemplo:
O agente, dirigindo o seu automóvel, sobe a calçada e atropela e mata cinco pessoas que estavam na parada de ônibus. Note que neste caso ele cometeu uma ação apenas e não tinha a intenção de matar ninguém. Matou os cinco pedestres e vai responder por apenas um crime de homicídio culposo, com a pena majorada de 1/6 até a metade.

É importante ressaltar que essa causa de aumento tem que estar relacionada ao número de crimes cometidos com esta única ação. (Dois crimes – 1/6; três crimes – 1/5; quatro crimes – ¼ e assim sucessivamente, até chegar a metade, se for o caso – depende do número de vítimas).

2º Exemplo:
Erro na execução (um delito doloso e um outro culposo).

Suponhamos que um agente quer matar o seu algoz e o encontrando, aponta o seu revolver para ele e atira, mas além de matar o seu inimigo, com este único tiro acerta uma terceira pessoa que estava próxima a que ele pretendia matar.

Note que neste caso, o autor tinha apenas a intenção (desígnio) de cometer o delito de homicídio com relação a apenas uma pessoa, mas por conta do erro na execução, atingiu e matou também uma terceira pessoa que estava próxima. Aqui ele será condenado apenas pelo cometimento de um só crime, com a pena aumentada de 1/6 até a metade, nos mesmos moldes explicados acima, quando me referi a proporcionalidade do número de vítimas atingidas.

Concurso formal impróprio (2ª Parte do Art. 70 do CP)

Art. 70 do CP – Segunda parte: “…As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior”.

Neste caso existem algumas peculiaridades (exige desígnios autônomos), vejamos:

Requisitos:
São os mesmos (Uma ação ou omissão). O diferente é que os crimes cometidos são de natureza dolosa.

Aqui, o réu tem desígnios autônomos, ou seja, existe a intenção (dolo) de cometer os crimes, diferentemente do que acontece no concurso formal próprio, que se exige a modalidade culposa.

Exemplo: A empregada doméstica tem o desejo (desígnio) de matar o patrão, a esposa e os dois filhos, ou seja, todos os integrantes da família e com uma ação de colocar veneno na comida, mata a todos. Note que foi uma ação, mas ela tinha a intenção (desígnio) de assassinar todos e assim o fez e por isso, responderá pelos 04 homicídios dolosos.

Consequência:
Nesse caso as penas são somadas, como no concurso material, já que a autora tinha o desejo de cometer os quatro homicídios. Daí, tem-se o nome de concurso formal impróprio.

Por fim, cabe registrar, que conforme determina o Parágrafo Único do Artigo 70 do CP, quando o juiz for aplicar a pena no concurso formal PRÓPRIO, a reprimenda não poderá exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 do CP. Essa informação não se aplica ao concurso formal impróprio, porque naquele instituto (impróprio) aplica-se a regra do art. 69. Essa determinação só se justapõe ao concurso formal próprio.

Com isso o legislador deixou claro que o juiz não poderá aplicar em desfavor do réu uma reprimenda maior no concurso formal próprio, do que a que seria justaposta no concurso material, porque aí prejudicaria o sentenciado. Por quê? Porque logicamente no concurso formal próprio, como já vimos, o agente teria apenas a intenção de cometer apenas um delito, tendo cometido o segundo por mero desconhecimento (culposo). Ele não tinha dois desígnios (autônomos) como no concurso formal impróprio. Por isso o legislador deixou essa garantia fictícia.

De forma sucinta, essas são as considerações referentes ao concurso formal. Passemos agora ao terceiro e último instituto do concurso de crimes.

CRIME CONTINUADO OU CONTINUIDADE DELITIVA (Art. 71 do CP)

Art. 71 – “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”.

No modesto conceito deste autor, este instituto foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro para facilitar a vida do delinquente contumaz. É o que chamo de injustiça legalizada e o que a doutrina majoritária denomina de ficção jurídica. Vejamos.

·     Requisitos:
Duas ou mais ações – Cometimento de dois ou mais crimes (pluralidade de condutas + pluralidade de crimes da mesma espécie ou mesmo gênero).

Pois bem. Neste caso, o agente, através de DUAS OU MAIS AÇÕES, comete DOIS OU MAIS CRIMES, da mesma espécie e pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, que devem estar ligadas diretamente como continuação do primeiro crime. É o chamado vínculo de continuação.

Critérios:
·     Vínculo temporal (praticado no mesmo tempo aproximado – naquele mesmo horário aproximado)
·     Vínculo modal (mesma forma de execução)
·     Vínculo espacial (cometido no mesmo lugar)

·     Consequência:
Ao invés de ter as penas somadas, já que o “delinquente” cometeu mais de um crime e com mais de uma ação, neste caso o juiz deverá aplicar a pena somente de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se o crime for diverso do primeiro, e deverá aumentá-la de 1/6 até 2/3. (Mamão com açúcar para o criminoso).

Este tipo de modalidade é o mais confuso de todos de se entender, já que é difícil, na prática, mostrar a diferença entre o crime continuado e o crime material, porque a doutrina estende ao crime da mesma espécie, a delinquência do mesmo gênero (essa extensão de entendimento é que complica tudo na prática).

Note que lá no crime material o agente também, através de duas ou mais ações, comete dois ou mais crimes e da mesma forma, nesta modalidade de continuidade delitiva, o agente também, através de duas ou mais ações, pratica dois ou mais crimes, só que, esses crimes subsequentes, devem ter relação com a continuidade do primeiro.

É muito difícil de se comprovar isso na prática e os tribunais têm aplicado, na maioria dos casos, a benesse desta modalidade aos agentes transgressores, ao invés do aproveitamento da regra do concurso material previsto no art. 69 do CP. Deve ser verificado caso a caso e esse entendimento fica a critério do magistrado.

Para instruir o entendimento, vou fazer um breve relato histórico de quando surgiu o instituto da continuidade delitiva no direito brasileiro.

Pois bem. O crime continuado surgiu na história quando ainda não se tinha previsão legal para ele. No Brasil, na época das ordenações Filipinas, cada agente quando era condenado a um terceiro crime de furto o julgador tinha que obrigatoriamente aplicar a pena de morte. Mas alguns magistrados tidos como humanitários, já que o Código Filipino era cruel, começaram a facilitar a vida dos criminosos e passaram a interpretar e tratar o terceiro crime de furto cometido pelo agente como a continuidade do primeiro.

Esse instituto foi criado exclusivamente para tratar do crime de furto e não para qualquer outro crime, como ocorre hoje em dia. Surgiu então, nesse conceito, o crime continuado, para livrar o criminoso da pena de morte. Desta forma, a continuidade delitiva veio para o nosso ordenamento jurídico para ser utilizado nessa função, ou seja, para ser aplicado nos crimes de furtos continuados.

1º Exemplo: O empregado que pretendia furtar um faqueiro, mas não tinha condições de fazer de uma só vez. Todo dia ele levava uma parte do conjunto do faqueiro até que depois de algum tempo, conseguiu levar todos os itens. Para não ser condenado por vários crimes de furtos e a partir do terceiro crime ser condenado a pena de morte (na ocasião das ordenações Filipinas), facilitou-se a vida do “mão boba” e criou-se essa regrinha para beneficiá-lo e livrá-lo da morte. Assim nasceu o instituto da continuidade delitiva. Hoje, como dito, aplica-se a qualquer tipo de crime e não mais exclusivamente ao delito de furto como no início, estendendo-se a uma interpretação mais abrangente para, além dos crimes da mesma espécie se utilizar também na condenação aos crimes do mesmo gênero, o que no entender deste escritor, é uma benesse para o criminoso contumaz e uma vergonha para a sociedade, que se sente injustiçada.

2º Exemplo: O crime de sonegação fiscal cometido no imposto de renda. Observe que esse tipo de delito só pode ser praticado uma vez por ano, quando da declaração anual do imposto de renda. Suponhamos que no primeiro ano o agente sonega e no segundo ano continua sonegando e assim sucessivamente. Teremos neste caso, a ocorrência do crime continuado. Veja que é da mesma espécie, cometido no mesmo espaço temporal e do mesmo modo. Esse é o exemplo clássico do crime continuado.

CRIME CONTINUADO QUALIFICADO OU ESPECÍFICO

Parágrafo Único – “Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código”.

Pois bem. Temos ainda, a figura do crime continuado qualificado ou especifico – Art. 71, Parágrafo Único do Código Penal.

Requisitos:
·     O crime tem que ser doloso (não cabe na modalidade culposa)
·     Tem que ser cometido contra vítimas diferentes
·     Tem que ter o uso de violência ou grave ameaça a pessoa

Pois é. Nesta modalidade legal, conforme consta no Parágrafo Único do Artigo 71 do CP, essa regra é aplicada nos crimes DOLOSOS cometidos contra VÍTIMAS DIFERENTES, com emprego de VIOLÊNCIA ou GRAVE AMEAÇA a pessoa.

Consequência:
O juiz aplicará a pena de um só dos crimes, se idênticas ou a mais grave se forem crimes diversos, aumentando-a até o triplo. Porque aqui estamos diante de uma situação mais gravosa.

Observação importante:
Em todos os casos o magistrado sentenciante não poderá aplicar a pena maior do que seria cabível na regra do art. 69 do CP, ou seja, no crime material. Da mesma forma o juiz das execuções penais, quando for fazer a unificação das penas, deverá observar que o condenado não deverá extrapolar o tempo de cumprimento da reprimenda que lhe fora imposta, maior que 30 anos, conforme determina o art. 75 do CP.  (O réu não poderá cumprir mais que 30 anos de reclusão).

É verdade, o legislador mais uma vez beneficiou o criminoso, ao restringir a aplicação da pena do crime continuado qualificado, assim como restringiu no crime continuado comum.

Como se vê, a continuidade delitiva é uma garantia legal que o réu tem a seu favor, para ser usada quando da apresentação de sua defesa em juízo, como forma de compensação a desconsideração dos demais crimes cometidos em continuidade, porque o magistrado deverá somente levar em consideração, quando da prolação da sentença, apenas um deles.

Enquanto no concurso material as penas são somadas, no crime continuado aplica-se apenas uma delas, majorando-a de 1/6 a 2/3 na continuidade delitiva comum e até o triplo, na continuidade delitiva qualificada ou especifica.

Depois dessas considerações, conclui-se que o instituto do crime continuado foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro para beneficiar o réu, gerando, de certa forma, uma sensação de injustiça para a sociedade, doutrinariamente chamada de ficção jurídica.

MULTAS NO CONCURSO DE CRIMES (Art. 72 do CP)

Art. 72 – “No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente”.

Para finalizar essa pequena dissertação, cuida ainda informar que, de acordo com o Artigo 72 do Código Penal, no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distintas e integralmente.

Isso significa dizer que não será aplicada para a pena de multa as regas do concurso formal ou do crime continuado e aumentar um pouco em compensação dos outros crimes que não se está levando em consideração. O juiz deverá aplicar a pena de multa para cada um deles, distintamente. Aqui o legislador não beneficiou o réu, já que se trata de arrecadação para o Estado.

Diante de tudo o que foi exposto, há de se concluir que, o Direito em si é muito interessante de se aprender, já que tem a missão de regular as relações interpessoais de toda a sociedade organizada.

Com relação aos institutos que foram analisados neste estudo, creio que são de muita valia, esperando este autor ter contribuído com o aprendizado do amigo leitor, já que diariamente há o cometimento de delitos e o instituto do concurso de crimes está inserido justamente no ordenamento jurídico para ser aplicado cotidianamente pelo Poder Judiciário, que é o Órgão instituído constitucionalmente para interpretar as leis e aplicá-las caso concreto.


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