Sem medo de dizer a verdade

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A caracterização do Dolo Direto e do Dolo Eventual


BREVE INTRODUÇÃO
Muito se tem falado ultimamente, inclusive pelos meios de comunicação, nos casos em que envolvem o dolo eventual, principalmente nos sinistros que dizem respeito ao atropelamento por veículo automotor, mas à princípio, a maioria da população não sabe de fato o que isto significa, e, por conseguinte, não tem condições de identificar a diferença entre o dolo direto e o dolo eventual.

Desse modo, mister se faz apresentar este sucinto estudo, para que possamos conceituar o dolo e depois apresentar as diferenças existentes entre o dolo direto e o dolo eventual, assim como para que se entenda melhor, a polêmica existente, concernente ao segundo tipo de dolo, o eventual.

CAPÍTULO I
DOLO
De acordo com a teoria finalista da ação, a qual adotamos no Brasil, dolo é elemento subjetivo do tipo. Ele integra a conduta, pelo que a ação e a omissão não constituem simples formas naturalísticas de comportamento, mas ações ou omissões dolosas. Constitui elemento subjetivo do tipo.

A teoria finalista da ação sustenta, que o dolo é natural, correspondendo à simples vontade de concretizar os elementos objetivos do tipo, não portando a consciência da ilicitude. Não comportando ainda a consciência da antijuridicidade, que pertence à culpabilidade.

De acordo com Welzel, o dolo abrange o objetivo que o sujeito deseja alcançar, os meios que emprega para isso e as consequências secundárias que estão necessariamente vinculadas com o emprego dos meios.

Segundo essa teoria, o dolo deve abranger os elementos da figura típica. Assim, para que se possa dizer que o sujeito agiu dolosamente, é necessário que seu elemento subjetivo tenha-se estendido às elementares e às circunstâncias do delito praticado pelo agente.

O Código Penal Brasileiro adotou a teoria da vontade na primeira parte e a teoria do assentimento na segunda parte. Nesse sentido, o dolo tem sua forma de expressão variada de acordo com os elementos da figura típica. Em face disso e por força do art. 18, I do CP, a doutrina apresenta várias espécies de dolo. A primeira parte trata do dolo Direto: “quando o agente quis o resultado”; a segunda parte trata do dolo indireto: “assumiu o risco de produzi-lo”.

Assim sendo, depois de conceituarmos o dolo, passemos agora a discorrer acerca dos dois tipos de dolos apresentados pela doutrina, que é o alvo do nosso estudo.

CAPÍTULO II
DOLO DIRETO
Conforme citamos acima, o nosso sistema penal adotou a teoria finalista da ação, e no Artigo 18 do Diploma Penal Substantivo, o legislador deixou claro que o dolo direto se dá quando o agente quer obter o resultado, ou seja, quando o ele visa certo e determinado resultado e o atinge. Por exemplo: um assassino que mata alguém a facadas, projetando o resultado morte. Aqui ele quis matar e alcançou o resultado pretendido. Dolo direto.

No dolo direto, a culpabilidade e a imputabilidade constituem o objeto do crime, ou seja, dolo é vontade, mas vontade livre e consciente de praticar certa antijuridicidade, nos termos do exemplo acima.

Diante disso, podemos afirmar, que dois são os elementos do dolo: A consciência há de abranger a ação ou a omissão do agente, tal qual é caracterizada pela lei, devendo igualmente compreender o resultado, e, portanto, o nexo causal entre este e a atividade desenvolvida pelo sujeito ativo.

Age, pois, dolosamente, quem pratica a ação (em sentido amplo) consciente de voluntariamente. Age dolosamente quem atua com conhecimento ou ciência de agir no sentido do ilícito ou antijurídico ou com conhecimento da antijuridicidade do fato.

Eis a questão: No dolo direito não há dúvida acerca da vontade do agente. Ele quis obter o resultado e utilizou dos meios para obter o fim pretendido. Por isso, fácil é sua compreensão e a aplicabilidade penal.

CAPÍTULO III
DOLO INDIRETO OU EVENTUAL
Já o dolo indireto ou eventual, como é denominado, ocorre quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo.

Nesse caso, ele antevê o resultado e age, mas essa possibilidade de ocorrência do resultado não é detida e ele pratica a conduta consentindo com o resultado. Aqui, o autor tem consciência da realização do tipo penal se praticar a conduta, mas mesmo assim se conforma com isso. Ele não quer o resultado, mas age.

Assim, diferente do dolo direto, só ocorre o dolo eventual, quando o sujeito ativo prevê o resultado e embora não seja esta a razão de sua conduta, aceita-o e corre o risco, vindo praticar a antijuridicidade do tipo.

O dolo eventual pode coexistir com a forma pela qual o crime é executado. Assim, nada impede que o agente, embora prevendo resultado morte o aceite e pratique o ato, usando de meio que surpreenda a vítima, o dificultando ou impossibilitando a defesa da mesma.

Nessa esteira, o Ilustre Professor Damásio de Jesus nos dá um exemplo que deixa bastante evidenciado o surgimento do caso in concreto, do dolo direto: “ Ex: o agente pretende atirar na vítima, que se encontra conversando com outra pessoa. Percebe que, atirando na vítima, pode também atingir a outra pessoa. Não obstante essa possibilidade, prevendo que pode matar o terceiro é-lhe indiferente que este é o último resultado se produza. Ele tolera a morte do terceiro. Para ele, tanto faz que o terceiro seja atingido ou não, embora não queira o evento. Atirando na vítima e matando também o terceiro, responde por dois crimes de homicídio: o primeiro, a título de dolo direto; o segundo, a título de dolo eventual.

Segundo o conceituado professor Damásio de Jesus, é de suma importância, para se caracterizar se houve o dolo eventual, verificar se o agente quis assumir o risco do evento, se entre a previsão do próprio evento e a sua aceitação por parte do agente subsistia ou não uma relação de contradição. Se o agente atua numa situação de indiferença em relação à produção do evento, assumindo o risco, está caracterizada a existência do dolo eventual.

CAPÍTULO IV
A GRANDE POLÊMICA TRAZIDA PELO DOLO EVENTUAL
Diante do que explanamos acima, ou seja, após conceituarmos o dolo direto e o dolo eventual, temos visto, no dia-a-dia, uma grande problemática interpretativa, apresentada atualmente no meio jurídico, principalmente nos crimes do tipo de acidente de transito.

Temos observado alguns casos em que o condutor do veículo causador do acidente grave, e principalmente nos que envolvem vítima fatal, em sendo verificado que o sujeito esteve, no memento em que conduzia o veículo, totalmente embriagado, o mesmo tem sido autuado em flagrante e indiciado por homicídio doloso, na possível ocorrência do dolo eventual, uma vez que assumia o risco de produzir o acidente.

Nesses casos, os infratores têm sido autuados nos termos do Artigo 121 do Código Penal, e seus respectivos processos sendo levados à julgamento perante à Vara Privativa do Júri, que tem competência constitucional para processar e julgar os litígios decorrentes dos crimes cometidos contra a vida.

É certo que tal polêmica surge, tendo em vista que os delitos do tipo de acidente de trânsito, devem sofrer a antijuridicidade da legislação especial, ou seja, deverão ser processados e julgados perante a Vara Comum, nos termos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, conhecida como Código de Trânsito Brasileiro e não sob a égide dos jurados.

Desse modo, se o crime é cometido em face de acidente de trânsito, o condutor/agente, deverá ser submetido ao tipo penal previsto na legislação cima, o que não vem sendo levado em consideração por alguns delegados e promotores, que estão caracterizando, quando da constatação, através de exame, do alto grau de alcoolemia nos condutores ocasionadores de acidente de transito de natureza grave, que presumida está, a existência do dolo eventual, uma vez que tais agentes assumiram o risco de produzir o acidente fatal.

Essa polêmica ainda não teve uma solução definitiva, até porque, nos casos existentes até então, o Judiciário ainda não firmou o seu posicionamento sobre o assunto, tendo em vista que as ações ainda estão em tramitação.

De certa forma, fica a expectativa, para nós, operadores do Direito, que estamos aguardando a interpretação final a ser dada pelo Judiciário, através da sua instância suprema, a confirmação ou não da existência do dolo eventual nesses tipos de delito/acidente de trânsito, uma vez que divergências existem entre os grandes juristas brasileiros.

De acordo com o meu entendimento, de certa forma, essa não é uma interpretação fácil de se obter uma unanimidade entre os juristas, tendo em vista que conforme preceitua a doutrina, o dolo deverá se baixar em dois fundamentos, quais sejam: a consciência do agente de que sua atuação poderá lesar seriamente ou por em risco um bem jurídico e a indiferença diante dessa possibilidade, o que in casu, não é de fácil saliência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, conclui-se que, apesar das polêmicas citadas acima, o dolo direto caracteriza-se pela intenção do agente de obter o resultado criminoso do tipo penal, ou seja, o agente quer o resultado e o atinge. Esta caracterização é de fácil percepção.

Por sua vez, o dolo eventual ou indireto ocorre quando o agente assume o risco, mas não tinha a intenção de obter o resultado, ou seja, o agente prevê o resultado, mas resolve assumir o risco de produzi-lo. Neste, a vontade do agente não se dirige àquele resultado específico, mas a sua conduta.

Grandioso é o exemplo dado acima pelo mestre Damásio de Jesus, onde nos mostra o momento em que pode ocorrer o dolo eventual, qual seja: “ quando o agente pretende atirar na vítima, que se encontra conversando com outra pessoa. Percebe que, atirando na vítima, pode também atingir a outra pessoa. Não obstante essa possibilidade, prevendo que pode matar o terceiro é-lhe indiferente que este é o último resultado se produza. Ele tolera a morte do terceiro. Para ele, tanto faz que o terceiro seja atingido ou não, embora não queira o evento. Atirando na vítima e matando também o terceiro, responde por dois crimes de homicídio: o primeiro, a título de dolo direto; o segundo, a título de dolo eventual”.

Assim sendo, se ficar comprovado que o sujeito tinha a intenção de obter o resultado criminoso e o obteve, dolo direito nele, mas se ficar comprovado que o mesmo não tinha a intenção de obter o resultado antijurídico, mas correu o risco e mesmo assim o resultado ilícito sobreveio, dolo eventual nele.

É o que tem a dizer,

Eudes Borges.

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