O tema é polêmico no meio acadêmico, mas como jurista e amante do Direito que sou, não poderia jamais me furtar de expressar minha posição sobre o assunto. Trata-se da interpretação judicial majoritária acerca
da aplicação do concurso formal próprio ao crime de roubo praticado em transporte
público coletivo (ônibus).
O concurso formal está instituído no ordenamento
jurídico no Artigo 70 do Código Penal e é integrado ao concurso de crimes.
Têm-se a ocorrência do concurso formal quando “...o agente, mediante uma única
ação ou omissão pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Neste caso,
aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas,
mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto,
cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos...”.
Como é cediço, há duas espécies de concurso formal. O
próprio ou perfeito (Art. 70 – 1ª parte) e o impróprio ou imperfeito (Art. 70 –
2ª parte).
No concurso
formal próprio o agente, através de uma
ação ou omissão, comete dois ou mais delitos de natureza culposa ou um
delito de natureza dolosa e o outro por erro de execução (culposa). Há a
ocorrência de apenas um desígnio, ou seja, exige uma ação ou omissão que
resulte em dois crimes culposos ou uma ação ou omissão que resulte em um crime
doloso e um crime culposo.
Neste caso, aplica-se-lhe a mais grave das penas
cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de
um sexto até metade.
Já no
concurso formal impróprio (2ª Parte
do Art. 70 do CP – “...as penas
aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os
crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos...”), os requisitos são
os mesmos (uma ação ou omissão). O diferente é que os crimes cometidos são de
natureza dolosa.
Aqui o réu tem desígnios autônomos, ou seja, existe a
intenção (dolo) de cometer os crimes, diferentemente do que acontece no
concurso formal próprio, que se exige a modalidade culposa.
Nesse caso as penas são somadas, como no concurso
material, já que o autor tem o desejo de cometer os crimes autônomos. Daí,
tem-se o nome de concurso formal impróprio.
Já com
relação ao crime de roubo, o
mesmo está previsto na parte especial do Código Penal, mais precisamente no
Artigo 157.
Têm-se o crime de roubo quando o agente subtrai coisa
móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a
pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência.
Do mesmo modo, pratica o crime de roubo quem, logo
depois de subtrair a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a
fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para
terceiro. Aqui é que nasce o foco do
presente estudo.
O ato de subtrair para si ou para outrem, mediante
ameaça, configura por si só a consumação do crime de roubo descrito no Artigo
157 do CP, no entanto, vamos analisar, com precisão, a ocorrência desse delito
dentro de um transporte coletivo e a interpretação jurisprudencial sobre o
tema.
Pois bem. A jurisprudência majoritária tem entendido
de forma pacífica, que no assalto a um coletivo, quando o ladrão anuncia o
roubo e subtrai os pertences de vários passageiros, o juiz deve apor a regra do
concurso formal próprio, ou seja, aplicar a pena de um só crime, o mais grave,
aumentando-a de 1/6 até a metade (HC
197.684/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em
18/06/2012). (Habeas Corpus nº 24332 – RJ, 5ª Turma, Rel. Min. FELIS FISCHER,
j. 06/05/2003, D.J.U. de 23/06/2003, p. 399) e outros.
Pedindo vênia ao entendimento jurisprudencial, vez que
o mesmo se encontra devidamente equivocado, já que essa interpretação
logicamente viola a parte final do disposto no Artigo 70 do CP, porque neste
caso estamos diante da ocorrência do concurso formal impróprio. Explico.
O ato de praticar o assalto ao transporte coletivo já
nasce na mente do delinquente. A partir do momento em que ele resolve realizar
o roubo ao ônibus, em sua mente projeta desígnios autônomos, porque logicamente
tem a intenção de subtrair para si os objetos pertencentes ao proprietário do
coletivo e aos passageiros (vítimas distintas), com aquela única ação
delituosa.
Conforme prediz a segunda parte do Artigo 70 do Código
Penal “…As penas aplicam-se, entretanto,
cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior”. É a ocorrência típica do concurso formal impróprio.
Por isso, na ocorrência dos crimes de roubos cometidos
em coletivos, estaremos diante do fato típico do concurso formal impróprio e as
penas devem ser somadas, já que o autor tinha desígnios autônomos de cometer,
com uma só ação, os vários assaltos a vítimas distintas, não havendo que se
falar em concurso formal próprio.
Se você tem
alguma dúvida sobre qualquer assunto de Direito, seja na esfera penal,
processual penal, civil ou processual civil, escreva nos comentários e
questione sobre o tema que com certeza discorrerei sobre o seu assunto. Pode
demorar um pouco, em face das minhas atribuições cotidianas, mas com certeza,
trarei sua resposta.
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