terça-feira, 28 de maio de 2019

Breve comentário sobre o crime de tortura e suas peculiaridades no âmbito do direito penal

Depois de me debruçar, na semana passada, em uma palestra com estudantes de Direito da Faculdade de Ciências Humanas - SOPECE, aqui no Estado de Pernambuco, onde debatemos sobre o crime de tortura no âmbito do direito penal, tema de grande relevância, trago aos amigos leitores, um sucinto estudo sobre o assunto, com a finalidade de contribuir com o conhecimento dos nobres internautas.

Pois bem. A tortura foi, nos séculos passados, admitida por diversos reinos europeus, por ser considerada “um meio eficaz para o descobrimento da verdade”. Portanto, com o advento do Iluminismo, a tortura começou a ser abolida no mundo.

Apesar dessa suposta abolição, no Brasil, sua prática continuou por motivações políticas, ocorrendo, sobretudo, no estado novo entre os anos de 1937 e 1945, bem como no regime militar que se deu entre 1964 e 1985.

Mesmo assim, nos dias atuais, a tortura como meio de apuração policial faz parte do cotidiano das delegacias brasileiras, onde a precariedade dos meios de apuração, a falta de punição e uma silenciosa complacência social estimulam essa prática covarde.

Apesar desse histórico e de a Constituição de 1988 determinar que a prática de tortura não possibilitaria o benefício da fiança, anistia ou graça, apenas em 1997 o Brasil regulamentou o crime de tortura, através da Lei 9.455/97.

Em resumo, podemos assegurar que a tipificação do crime de tortura fica condicionada ao preenchimento cumulativo de três elementos:

O meio empregado + as consequências sofridas pela vítima + a finalidade pretendida (dolo pretendido ou o motivo).

De certa forma, há uma pluralidade de bens jurídicos ofendidos, como as garantias fundamentais da pessoa humana e o exercício da função pública. Além disso, obviamente, há uma ofensa a bens jurídicos individuais, como a liberdade e a integridade física ou psíquica.

Características comuns a todas as modalidades de tortura:
·        É um crime material;
·        Admite tentativa e a desistência voluntária;
·        Não admite o arrendamento eficaz e nem o arrependimento posterior;
·        Ação penal pública incondicionada.

Só lembrando que desistência voluntária ocorre quando o agente, voluntariamente, interrompe a execução do crime. (Essa figura exige que a desistência ocorra em meio à prática dos atos executórios).

Já o instituto do arrependimento eficaz se dá quando o agente esgota todos os meios executórios, mas na sequência, antes da consumação, impede, voluntariamente o resultado, por vontade própria, evitando a sua produção.

E o Arrependimento posterior é possível nos crimes sem violência ou grave ameaça a pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou queixa, por ato voluntário do agente, ocasião em que a pena pode ser diminuída em até dois terços.
Vamos as espécies de tortura.

Tortura indagatória
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

Esse tipo não exige nenhuma condição especial do sujeito ativo ou do sujeito passivo. Qualquer pessoa pode ser autor ou vítima desse delito.

O núcleo do tipo é verbo constranger e tem o sentido de coagir, violentar, obrigar. Está presente o sentido de sujeição da vítima à força do agente.

Para que seja típica, a tortura tem que ser praticada com violência ou grave ameaça. A violência significa o emprego da força física sobre o corpo da vítima, com a qual se anula sua resistência. A grave ameaça é a chamada violência moral, com a qual se promete um mal futuro e grave à vítima ou a alguém conhecido dela.

Como crime material, exige, também, o tipo, a produção do resultado sofrimento físico ou mental. O resultado é o sofrimento e não eventual lesão corporal.

Cuida registrar, que o crime de tortura só pode ser praticado com dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de produzir, mediante violência ou grave ameaça, sofrimento físico ou mental. Além do dolo, o tipo exige um dentre os três elementos subjetivos do tipo, expressos nas alíneas “a”, “b” e “c”. Tratando-se de elemento subjetivo, obviamente, não é necessário que o objetivo do agente se concretize, basta que haja a finalidade.

Por outro lado, a consumação do crime de tortura ocorre no momento em que se dá o sofrimento físico ou mental, independentemente da ocorrência do objetivo do agente. É possível a tentativa, já que se trata de crime plurissubsistente.

Tortura-castigo
Art. 1º Constitui crime de tortura:
(…)
II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Nesse caso, ao contrário da tortura descrita no inciso I, esse tipo descreve um crime próprio, que exige condição especial do sujeito ativo, bem como do sujeito passivo. O sujeito passivo tem que estar sob guarda, poder ou autoridade.

Verifique que o verbo submeter tem o sentido de “subjugar, vencer, dominar, avassalar, domar, sujeitar, subordinar”.

Assim, além do dolo, há o elemento subjetivo do tipo, que é o fim de castigar ou aplicar medida preventiva. Castigo é a punição imposta em razão de uma conduta faltosa. Medida preventiva é aplicada para que o sujeito não venha a praticar determinadas condutas. Se a tortura for gratuita, sem um fim concreto, não haverá esse delito.

Com relação a essa modalidade de tortura, a consumação do crime ocorre no momento em que ocorre o sofrimento físico ou mental, sem necessidade de qualquer lesão. A tentativa é possível, desde que o agente tenha iniciado a execução do crime, mas não tenha causado, por razões alheias a sua vontade, o intenso sofrimento físico ou mental.

Tortura do preso
§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

Esta é a tortura praticada contra presos e ou pessoas submetidas a medida de segurança. O sujeito ativo é qualquer pessoa, não exigindo a lei qualquer condição especial. Quanto ao sujeito passivo, contudo, só poderá ser aquele que se encontrar em prisão.

Nesse tipo de tortura a lei não exige como meio de prática deste delito a violência ou grave ameaça, embora não os exclua. Com efeito, é perfeitamente possível que se imponham graves sofrimentos mentais sem o emprego de violência ou grave ameaça.

É importante registrar, que o tipo subjetivo é composto exclusivamente do dolo, sem elemento subjetivo do tipo. Dentre os três tipos de tortura, este é o único que não menciona uma finalidade do agente.

Omissão frente à tortura
§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

Aqui, a lei pune com pena de detenção de um a quatro anos. Observe que para o crime omissivo o legislador instituiu uma pena bem mais branda que a forma principal, tanto quem concorre para a prática de tortura, mediante omissão, como quem deixa de investigar sua ocorrência.

Por conseguinte, há que se fazer a distinção entre aquele que tinha o dever de evitar e o que tinha o dever de investigar. Embora, em análise superficial, pareça que só o funcionário público pode ser sujeito ativo da primeira modalidade de omissão (de evitar), o tipo não restringe, nem explicita nem implicitamente, a prática do crime ao funcionário.

Se na hipótese do inciso II, o pai ou a mãe podem figurar como sujeito ativo de tortura, é inegável que a omissão de um frente à conduta ativa de outro, configura a primeira modalidade de omissão. Assim, se o pai inflige intensos sofrimentos físicos ao filho e a mãe se omite, por ter dever legal de impedir o resultado, desde que fosse possível evitar, a mãe pratica o crime do § 2º.

Quanto à segunda omissão (de apuração), o sujeito ativo somente pode ser o funcionário público, que tem o dever de apurar a conduta criminosa.

Formas qualificadas pelo resultado
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.

Aqui o legislador assegurou, de forma segura, que as formas qualificadas pelo resultado lesão corporal grave ou morte configuram crimes preterdolosos. Assim, para que haja tal delito, o resultado não pode ter sido causado dolosamente. Ou seja, se houve dolo (direto ou eventual) no resultado morte, haverá crime de homicídio.

Causas de aumento de pena
4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I – se o crime é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;
III – se o crime for cometido mediante sequestro.

Especial condição da vítima
Criança: prevalece a definição do ECA, criança é o menor de 12 anos. Gestante: estando grávida a mulher, aplica-se a majorante, independentemente do tempo, mas desde que o torturador saiba da gravidez. Portador de deficiência: qualquer que seja a deficiência, física ou mental. Adolescente: é o menor de 18 e maior de 12 anos. Maior de 60 anos.

Tortura mediante sequestro
Conforme visto, está configurada no Inciso II, do § 4º. É o meio para a prática de tortura, com o qual a vítima não pode oferecer resistência, por encontrar-se subjugada. Para que haja esse aumento, é necessário que o sequestro se limite ao meio para a tortura, pois se for feito sem esse fim e ocorrer dissociado da tortura, quer porque tenha começado bem antes, quer porque permaneceu após a tortura. Haverá concurso material entre os crimes de tortura e de sequestro (art. 148).

Efeitos da condenação
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Trata-se de efeito automático da condenação, que independe de expressa declaração na sentença.

Fiança, graça ou anistia
§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. O STF já se pronunciou nesse sentido.

Regime inicial de cumprimento de pena
§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.

Assim sendo, depois de explanarmos de forma breve as peculiaridades do crime de tortura, conclui-se que esse tipo de delito é, sem dúvidas, um dos mais cruéis e covardes que existe na sociedade. A conscientização é a forma mais objetiva e eficaz de se combater esse tipo de crueldade. O Direito é a ferramenta garantidora, mediante a aplicação das leis, como forma punitiva e reprobatória aos agentes públicos ou privados que insistam em agir como homem primitivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário