quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A Responsabilidade pelo fato do produto no CDC

Introdução

O presente estudo tem o condão de discutir a responsabilidade civil no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, onde irei destacar, de forma sucinta, alguns aspectos sobre a responsabilidade civil pelo fato do produto.

Esse tema é de suma importância, porque está relacionado diretamente com o cotidiano das pessoas, que, incontrolavelmente são tidas como consumidoras e, sem dúvida alguma, poderão enfrentar situações nas relações de consumo, que caracterizem a responsabilidade civil do fabricante ou pelo fato do serviço.

Dessa forma, tentarei expor, de forma abreviada, como dito antes, uma contextualização da temática acima mencionada, para que ao final, possa tentar explanar uma conclusão sobre a responsabilidade civil no campo do direito consumeirista, ora regulado pelo CDC, trazendo, inclusive, algumas jurisprudências sobre a matéria.

1. Da responsabilidade pelo fato do produto

A responsabilidade pelo fato do produto e do serviço está disciplinada nos artigos 12 a 17 do Código de Defesa do Consumidor, e está relacionada com os vícios ou defeitos de segurança do produto ou serviço, que, por sua vez, ocorrerá quando a utilização de um produto ou serviço vier a adicionar riscos a segurança do consumidor ou de terceiros.

Nessa hipótese, o vício geralmente é oculto, gerando danos durante a sua utilização e fruição, o que alguns doutrinadores chamam de acidente de consumo.

Pois bem.

A responsabilidade pelo fato do produto, no Código de Defesa do Consumidor é objetiva e, portanto, prescinde da análise da culpa. O fabricante tem o dever de colocar no mercado um produto de qualidade, sendo que, se existir alguma falha, seja quanto à segurança, seja quanto à adequação do produto em relação aos fins a que se destina, haverá responsabilidade à reparação dos danos que esse produto vier a causar.

Nos dizeres de Cláudia Lima Marques: “há efetivamente um novo dever de qualidade instituído pelo sistema do CDC, um novo dever anexo à atividade dos fornecedores, cuja finalidade precípua, assim como a de todas as demais normas do diploma consumeirista, é a proteção da confiança e das legítimas expectativas do mercado de consumo em relação a esse ou àquele produto[1].

É importante destacar, que a responsabilidade objetiva, no entanto, não dispensa a prova do dano e do nexo causal, porque a peculiaridade da responsabilidade pelo fato do produto assegurada no artigo 12, assim como ocorre na responsabilidade pelo fato do serviço constante no artigo 14, é a previsão, no microssistema do CDC, de regra específica acerca da distribuição do ônus da prova, da inexistência de defeito.

A previsão legal é sutil, mas de extrema importância na prática processual, porque o fornecedor, no caso o fabricante, só não será responsabilizado quando provar que, embora tenha colocado o produto no mercado, o defeito inexiste, ou seja, o ônus da prova da inexistência de defeito do produto ou do serviço é do fornecedor.

Por isso, são duas modalidades distintas de inversão do ônus da prova previstas pelo Código de Defesa do Consumidor, podendo ela decorrer da lei (ope legis) ou de determinação judicial (ope judicis ).

Na primeira hipótese, previstas pelos enunciados normativos dos arts. 12, § 3º, II, e 14, §3º, I, do CDC, atribuiu-se ao fornecedor o ônus de comprovar, na responsabilidade civil por acidentes de consumo (fato do produto - art. 12 - ou fato do serviço - art. 14), a inexistência do defeito.

A segunda hipótese prevista pelo CDC, relativa à inversão do ônus da prova "ope judicis", resulta da avaliação casuística do magistrado, que a poderá determinar, uma vez verificados os requisitos legalmente previstos, como a verossimilhança e a hipossuficiência a que refere o enunciado normativo do art. 6º, VIII, do referido diploma legal.

Assim sendo, de acordo com a regra instituída no Artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, hoje, qualquer produto posto no mercado de consumo deve atender as mínimas exigências de qualidade e quantidade, para que não venha o consumidor a sofrer prejuízos, porque, como dito acima, o fornecedor responde independentemente de culpa por qualquer dano causado ao consumidor, pois que, pela teoria do risco, este deve assumir o dano em razão da atividade que realiza.

Mas, para que haja a obrigação de reparação dos danos causados ao consumidor, é indispensável que o fato imputável e os danos, estejam numa relação de causa e feito, ou seja, que os danos sofridos pelo consumidor tenham sido uma consequência necessária desse fato imputável.

2. Do entendimento jurisprudencial sobre o tema

2.1 - Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO. AUTOMÓVEL FIESTA. QUEBRA DO BANCO DO MOTORISTA. DEFEITO DE FABRICAÇÃO. PERDA DO CONTROLE DO VEÍCULO. ACIDENTE GRAVE. RECALL POSTERIOR AO EVENTO DANOSO. ÔNUS DA PROVA DO FABRICANTE.
1 - Ação de indenização proposta com base em defeito na fabricação do veículo, objeto de posterior recall, envolvido em grave acidente de trânsito.
2 - Comprovação pelo consumidor lesado do defeito do produto (quebra do banco do motorista com o veículo em movimento na estrada) e da relação de causalidade com o acidente de trânsito (perda do controle do automóvel em estrada e colisão com uma árvore), que lhe causou graves lesões e a perda total do veículo.
3 - A dificuldade probatória ensejada pela impossibilidade de perícia direta no veiculo sinistrado, no curso da instrução do processo, não caracteriza cerceamento de defesa em relação ao fabricante.
4 - Inocorrência de violação às regras dos incisos II e III do § 3º do art. 12 do CDC.
5 - Precedente desta Corte.
6 - Recurso especial desprovido. (Recurso Especial nº 1.168.775 – Julgado em 10/04/2012, publicado no DJE em 16/04/2012 – Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino – 3ª Turma).

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - BOMBONS - LARVAS - EXISTÊNCIA - PRODUTO CONSUMIDO APÓS A DATA DE VALIDADE - ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE - EXIGÊNCIA - GARANTIA DO PRODUTO - SEGURANÇA E QUALIDADE - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PRAZO – ESTUDOS BIOLÓGICOS E QUÍMICOS - VALIDADE DETERMINADA PELO FABRICANTE - RECURSO IMPROVIDO.
I - Ainda que as relações comerciais tenham o enfoque e a disciplina determinadas pelo Código de Defesa do Consumidor, tal circunstância não afasta, para fins de responsabilidade civil, o requisito da existência de nexo de causalidade, tal como expressamente determina o artigo 12, § 3º e incisos, do Código de Defesa do Consumidor.
II - O fabricante ao estabelecer prazo de validade para consumo de seus produtos, atende aos comandos imperativos do próprio Código de Defesa do Consumidor, especificamente, acerca da segurança do produto, bem como a saúde dos consumidores. O prazo de validade é resultado de estudos técnicos, químicos e biológicos, a fim de possibilitar ao mercado consumidor, a segurança de que, naquele prazo, o produto estará em plenas condições de consumo.
III - Dessa forma, na oportunidade em que produto foi consumido, o mesmo já estava com prazo de validade expirado. E, essa circunstância, rompe o nexo de causalidade e, via de consequência, afasta o dever de indenizar.
IV - Recurso especial improvido. (Recurso Especial nº 1.252.307 – Julgado em 07/02/2012, publicado no DJE em 08/02/2012 – Relator: Ministra Nancy Andrighi – 3ª Turma).

2.2 - Na mesma esteira, tem-se o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro:

DIREITO DO CONSUMIDOR – DEFEITO COMPROVADO EM VEÍCULO “ZERO KM” – DANO MORAL CONFIGURADO – AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMERCIANTE – FABRICANTE IDENTIFICADO. Rejeição da preliminar de decadência. Apesar de o julgador ter liberdade para analisar o acervo probatório e valorar cada prova de acordo com sua própria convicção, é inegável que, em se tratando de vício ou defeito do produto, a prova pericial assume grande importância na conclusão sobre a ocorrência. Infundada a tentativa dos apelantes em desqualificar o trabalho do perito de confiança do juízo, porquanto expedem razões despidas de argumentos técnicos consideráveis. Conclusão do laudo pericial de que o ruído anômalo apresentado pelo veículo representava riscos à segurança do consumidor. A perícia também concluiu ter o defeito ocorrido na fase de fabricação e isto afasta a responsabilidade civil da primeira apelante, porquanto caracterizado defeito no produto. A responsabilidade do comerciante só se verifica quando o fabricante não é identificado. Dano moral configurado. Verba reparatória arbitrada com ponderação. Provimento do primeiro recurso e improvimento do segundo. (Apelação 0012901-58.2006.8.19.0204 – TJRJ – Julgada em 19/09/2012 – Relator; Des. Edson Vasconcelos – 17ª Câmara Cível).

Cabe ainda salientar, que o dano moral decorrente dessa responsabilidade objetiva do fabricante, tem natureza empírica em sua caracterização, pelo que só diante um caso concreto pode revelar-se ofensiva à moral objetiva ou projetar-se na subjetividade de determinada pessoa, mas isto deve ocorrer em intensidade tal que justifique a reparação pecuniária, a título punitivo e pedagógico, a fim de impedir a reprodução social daquela determinada conduta reprovável do fabricante ou fornecedor do serviço.

Vale dizer ainda, que o valor indenizatório do dano moral há de ser fixado judicialmente, tendo por parâmetro a lógica do razoável, na justa medida estabelecida pelo julgador em cada caso concreto submetido à sua apreciação.

3. Considerações finais

Diante do exposto, percebe-se que o texto ora analisado, trouxe à baila, um grande tema que hoje já vem caminhando para a pacificação jurisprudencial e doutrinária, acerca da responsabilização civil do fabricante e a responsabilidade civil pelo fato do produto.

Conclui-se, que o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu a responsabilidade objetiva dos produtores e fornecedores da cadeia produtiva, não levando em consideração a existência da culpa frente aos danos provenientes de acidentes de consumo ou vícios na qualidade ou quantidade dos mesmos.

Estando evidenciada a responsabilidade objetiva do fabricante ou do fornecedor de serviços, como explanado acima, cabe ao lesado procurar reaver os seus direitos, a fim de que o fabricante responsável seja punido, em face de sua conduta reprovável.

Verificou-se ainda, que há uma “excludente de ilicitude”, quando o fabricante, o construtor, o produtor, o importador, ou o fornecedor de serviços comprovar a ocorrência das hipóteses previstas nos §§ 3º, Incisos I, II e II, dos Artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Do contrário, pouco importa a intenção subjetiva quando enfrentamos questões que envolvem relações de consumo, pois esta não faz parte dos critérios determinantes no momento de se condenar à reparação do dano, pois que, estando comprovados os pressupostos objetivos, quais sejam: o fato imputável, o dano e o nexo causal, o causador é obrigado a repará-lo.

Pois é. Ocorrido o fato imputável e, tão logo exista uma relação causal entre esse fato e  o dano ao consumidor, insurgirá a responsabilidade civil do fabricante, do construtor, do produtor, do importador ou do prestador de serviços, nos termos da legislação especial acima invocada, c/c com o entendimento jurisprudencial também citado.

É o que tem a relar,

Eudes Borges


[1] MARQUES, Cláudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 5ªed., São Paulo: RT, 2005, p. 1149.

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