Sem medo de dizer a verdade

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Direito Penal e o crime de falsificação


Capítulo I
Da Falsificação de Documento Público
Artigo 296 do CP

Importante neste caso, em primeiro momento, fazer uma conceituação do que realmente seria um documento público e um documento particular.

Pois bem.

Resumidamente, posso dizer, que documento público, é todo o documento confeccionado por servidor público (órgão público), no exercício de sua função e de acordo com a legislação que lhe é pertinente.

Já o documento particular, por exclusão, é o que não é confeccionado por órgão público, ou seja, é o documento que não goza da qualidade de público.

Assim considerando, o documento público passível de falsificação, a ser estudado neste artigo, deve ser aquele a que se atribui alguma eficácia probatória ou que possua relevância jurídica.

Assim, com o intuito de diferenciar uma falsidade material de uma falsidade ideológica, concluo que:

Na falsidade ideológica a ideia constante do documento é falsa, sendo este, no entanto, verdadeiro, ou seja, o documento é verdadeiro, mas ele nasce com informações falsas fornecidas pelo titular (ex: o cara que vai ao IITB tirar uma identidade em nome dele, mas leva consigo o registro de nascimento do seu irmão, e essa carteira de identidade é emitida de forma legal pelo instituto, mas com informações falsas. Um 2º exemplo, é o cara que vai tirar uma segunda via do registro de nascimento e faz constar a sua data e nascimento errada, o chamado gato do futebol. A certidão é emitida por um órgão legal, mas os dados foram fornecidos falsamente.

Veja que nos dois exemplos os documentos são verdadeiros, mas as informações repassadas são falsas, por isso a caracterização da falsidade ideológica.

Já a falsidade material, o próprio documento é que é forjado total ou parcialmente, ou seja, ele não é emitido por um órgão competente, mas é fabricado por uma pessoa qualquer, nascendo, desde então ilegítimo. Ex: o cara que querendo se passar por um oficial de justiça, fabrica uma carteira de oficial de justiça e começa a utilizá-la, dando carteirada. Ou até mesmo uma pessoa que possuindo uma carteira de habilitação legítima, mas que teve a validade vencida, resolve alterar essa data de validade, caracterizando, assim, a falsidade material, por que a falsificação, seja total ou parcial,  foi feita pela pessoa diretamente.

Classificação doutrinária
É um crime comum, doloso, não havendo previsão legal para a modalidade culposa, comissivo, podendo ser também omisso impróprio, na hipótese de o agente gozar de status de garantidor, de forma livre e de forma vinculada, tiver conhecimento de que alguém está para cometer esse tipo de crime, podendo fazer alguma coisa para evitar, nada faça para isso.

Sujeito ativo e passivo
Crime comum com relação ao sujeito ativo, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa. Já com relação ao sujeito passivo, é o estado ou qualquer pessoa que foi diretamente prejudicada com a falsificação do documento público.

É importante salientar, que se o crime for praticado por servidor público que se prevalece do cargo para a falsificação, a pena será aumentada de sexta parte, nos termos do § 1º, do citado artigo.

Se ele for servidor público qualquer, mas que o cargo que exerça não tenha nada a ver com o documento falsificado, não terá a pena aumentada, pois tem que se prevalecer do cargo para a realização da falsificação. Observe isso.

O bem juridicamente protegido é a fé pública, já o objeto material protegido é o documento público falsificado, no todo ou em parte pelo agente.

Momento consumativo:
Este crime se consuma quando o agente pratica qualquer dos comportamentos previstos no tipo penal.

Neste tipo de crime, admite-se a tentativa.

A elementar subjetiva é o dolo, pois neste tipo de crime não se admite a modalidade culposa. A ação penal é publica incondicionada.

É importante destacar, que o agente que falsifica o documento público e faz uso deste documento, não pode ser penalizado por crime de uso de documento falso, porque o crime meio deverá ser absorvido pelo crime fim. Neste caso ele só responde pelo crime de falsificação de documento público.

Divergência doutrinária:

Existem algumas divergências entre os doutrinadores, com relação a falsificação de documento público utilizada com o fim de praticar o crime de estelionato.

Parte da doutrina afirma que nesse caso, pode-se  enquadrar o agente no concurso de crimes, nos termos do Artigo 69 do CP, respondendo, assim, pelos dois crimes praticados e eu me filio a esta, pois se o agente praticou o crime de falsificação de documento público (falsificou a identidade ou o CPF com o intuito de praticar o crime de estelionato, efetuando várias compras no comércio, e é pego cometendo este último crime, logicamente deverá responder pelo concurso material de crimes (cumulativo), nos termos do Artigo 69 do CP, devendo ser penalizado pelos dois crimes.

Já tem outra parte da doutrina que diz que neste caso, deverá ser reconhecido o concurso formal compreendido no artigo 70 do CP (1ª parte), aplicando-se a pena mais grave. Exasperação. Não concordo com esta, pois o agente estaria se beneficiando.

Já outra parte da doutrina entende, que pelo fato de o crime de falsificação ter a pena mais grave, já absorve a pena e a conduta do crime de estelionato (consunção). Este é o entendimento do professor Marco, que eu discordo dele.

Como dito acima, me filio à primeira posição doutrinária.

Capítulo II
Da Falsificação de Documento Particular
Artigo 297 do CP

Conforme dito no estudo do Artigo 297, o documento particular é o que não é confeccionado por órgão público, ou seja, é o documento que não goza da qualidade de público.

Desse modo, o documento particular passível de falsificação, deve ser aquele a que se atribui alguma eficácia probatória ou que possua relevância jurídica.

A diferença básica existente entre os delitos tipificados nos Artigo 297 e 298, encontra-se no objeto material, pois no art. 297 o documento é público e no art. 297, o documento é privado.

Assim considerando, tudo o que foi dito acima com relação ao delito tipificado no artigo 297, aplica-se também ao artigo 298.

O único destaque que faço com relação a este crime, é que se o próprio autor da falsificação do documento particular fizer uso deste, não se cogitará de concurso de crimes, devendo responder tão somente pelo crime de uso de documento particular falsificado, tipificado no Artigo 304 do CP, onde estudaremos a posterior.

Com relação a falsificação do documento particular para fins de cometer crime de estelionato, mantenho o mesmo posicionamento elencado na divergência doutrinária estudada no artigo 297. (ele responde pelo concurso de crimes material – art. 69).


Capítulo III
Da Falsidade Ideológica
Artigo 299 do CP

De início, antes de adentrarmos nas elementares deste tipo penal, cabe registrar, que ao contrário do que ocorre nos delitos elencados nos Artigos 297 e 298 estudados acima, que tratam especificamente da falsidade de natureza material, a falsidade de que trata o Artigo 299 do CP é de cunho ideológico.

Assim, neste caso, significa que o documento em si é perfeito e verdadeiro, mas a idéia, no entanto, nele lançada é que é falsa, por isso denomina-se falsidade ideológica (ex: o cara que vai ao IITB tirar uma identidade em nome dele, mas leva consigo o registro de nascimento do seu irmão, e essa carteira de identidade é emitida de forma legal pelo instituto, mas com informações falsas. Um 2º exemplo, é o cara que vai tirar uma segunda via do registro de nascimento e faz constar a sua data e nascimento errada, o chamado gato do futebol. A certidão é emitida por um órgão legal, mas os dados foram fornecidos falsamente. Veja que nos dois exemplos os documentos são verdadeiros, mas as informações repassadas são falsas, por isso a caracterização da falsidade ideológica.

Para que ocorra a infração penal da falsidade ideológica, exige-se que a falsidade ideológica tenha finalidade de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

Classificação Doutrinária:
Trata-se de crime comum, tanto com relação ao sujeito ativo como passivo; doloso, não havendo previsão legal para a modalidade culposa, comissivo, podendo ser também omisso impróprio, na hipótese de o agente gozar de status de garantidor, de forma livre e de forma vinculada, tiver conhecimento de que alguém está para cometer esse tipo de crime, podendo fazer alguma coisa para evitar, nada faça para isso. A forma é livre.

Sujeito ativo e passivo
Crime comum com relação ao sujeito ativo, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa. Já com relação ao sujeito passivo, é o estado ou qualquer pessoa que foi diretamente prejudicada com a falsificação do documento público.

O bem juridicamente protegido é a fé pública, já o objeto material protegido é o documento público ou particular falsificado no todo ou em parte pelo agente, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

Momento consumativo:
Ocorre em dois momentos:
1)                Quando o agente omite em documento público, declaração de que dele deveria constar, em virtude da sua omissão dolosa (1º verbo do artigo).

2)                Ou quando o agente insere ou faz inserir, em documento público ou privado, sem a declaração de que dele deveria constar, em virtude da sua omissão dolosa.

É importante destacar, que em ambas as situações, o agente deverá atuar com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

O elemento subjetivo é o dolo, não havendo previsão legal para a modalidade culposa.

Causa de aumento de pena – Parágrafo Único do Artigo 299.

Nos termos do parágrafo acima citado, se o crime for praticado por servidor público que se prevalece do cargo para a falsificação, a pena será aumentada de sexta parte.

Mas, se ele for servidor público qualquer, mas que o cargo que exerça não tenha nada a ver com o documento falsificado, não terá a pena aumentada, pois tem que se prevalecer do cargo para a realização da falsificação, pois esta é a exigência legal.

Do uso do documento ideologicamente falso

Diante do exposto, cabe a pergunta: e se o agente fizer uso do documento ideologicamente falsificado, haverá concurso de crime, como vimos no crime de falsificação material de documento?

A maioria dos doutrinadores acredita que não, devendo tão somente o agente responder pelo crime fim, que é o uso de documento falso tipificado no artigo 304 do CP. Eu entendo do mesmo jeito. Até porque a intenção do agente é só de utilizar o documento falso.

É importante registrar ainda, que se a falsificação for grosseira, porém não vier prejudicar direito, nem criar obrigações ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, como requer a tipificação do artigo 299, o agente não será penalizado pela prática. Porque há necessidade de que o falso tenha um mínimo de idoneidade para enganar.

Falsidade ideológica e sonegação fiscal.
Conforme diz a doutrina, existe uma lei específica que trata das ilicitudes em comento, por isso, se o agente cometer as elementares objetivas descritas do tipo mencionados no Artigo 299 do CP, não responderá por elas, mas sim nos termos da Lei 8.137/1990, que regula sobre os crimes de sonegação fiscal.

Sabemos que lei especial, prevalece sobre lei geral, por isso, o agente responderá, neste caso, pelo crime de sonegação fiscal, nos termos daquela lei especial.

Falsidade ideológica e estelionato

Ocorrem as mesmas explicações que fiz no crime de falsidade de documento público, quais sejam:

Parte da doutrina afirma que nesse caso pode-se  enquadrar o agente no concurso de crimes, nos termos do Artigo 69 do CP, respondendo, assim, pelos dois crimes praticados e eu me filio a esta, pois se o agente praticou o crime de falsidade ideológica (com o intuito de praticar o crime de estelionato, efetuando várias compras no comércio, e é pego cometendo este último crime, logicamente deverá responder pelo concurso material de crimes (cumulativo), nos termos do Artigo 69 do CP, devendo ser penalizado pelos dois crimes.

Já tem outra parte da doutrina que diz que neste caso, deverá ser reconhecido o concurso formal compreendido no artigo 70 do CP (1ª parte), aplicando-se a pena mais grave. Exasperação. Não concordo com esta, pois o agente estaria se beneficiando.

Já outra parte da doutrina entende, que pelo fato de o crime de falsificação ter a pena mais grave, já absorve a pena e a conduta do crime de estelionato (consunção). Este é o entendimento do professor Marco, que eu discordo dele.

Como dito acima, meu entendimento é pelo concurso material.

Declaração falsa para efeitos de instrução de pedido de remição:

Nos termos do Artigo 130 do CP, o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto, poderá remir pelo trabalho parte do tempo da execução de sua pena dessa forma, se ele declarar falsamente nos autos os dias trabalhados, com o fito de obter a remição indevida, responderá pelo crime de falsidade ideológica. Se o agente penitenciário emitir declaração falsa em favor deste, respondem os dois.

Assim, concluem-se as peculiaridades do crime de falsidade ideológica.


Capítulo IV
Do crime de Falso reconhecimento de firma ou letra
Artigo 300 do CP

Art. 300 - Reconhecer, como verdadeira, no exercício de função pública, firma ou letra que o não seja:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público; e de um a três anos, e multa, se o documento é particular

Neste caso estamos diante de um crime próprio, pois só pode ser cometido por funcionário, no exercício de sua função pública.

Pois bem.

O reconhecimento levado a efeito pelo agente tem como objeto material firma ou letra que não seja verdadeira, ou seja, o agente reconhece como verdadeira, uma firma falsa (assinatura no cartório), como sendo verdadeira, atingindo com o seu comportamento, a fé pública.

O núcleo reconhecer, deve ser entendido no sentido de atestar, declarar, afirmar, com verdadeira, sendo falsa.

Esse reconhecimento deve ser praticado por funcionário que esteja no uso de sua função pública, pois se este estiver de férias, ou afastado de suas funções, não responde pelo crime de falso reconhecimento de firma ou letra, podendo, assim, ser responsabilizado pelo crime de falsidade ideológica.

Classificação doutrinária
Trata-se de crime próprio com relação ao sujeito ativo, conforme dito acima, e crime comum, com relação ao sujeito passivo; doloso, não havendo previsão legal para a modalidade culposa, comissivo, podendo ser também omisso impróprio, na hipótese de o agente gozar de status de garantidor, de forma livre e de forma vinculada, tiver conhecimento de que alguém está para cometer esse tipo de crime, podendo fazer alguma coisa para evitar, nada faça para isso.

Objeto material e bem juridicamente protegido
O bem jurídico protegido é a fé pública, e o objeto material é a firma ou a letra reconhecida falsamente pelo agente.

Momento consumativo
Quando o agente reconhece a firma ou a letra falsa, com sendo verdadeira.

Admite-se a tentativa.

Elementar subjetiva
Só admite-se o dolo, não havendo previsão legal para a modalidade culposa, portanto, se o funcionário que, por descuido, negligencia, vier a reconhecer como verdadeira, firma ou letra falsa, não poderá ser responsabilizado pelo delito em estudo.

                    Autor: Eudes Borges

2 comentários:

Unknown disse...

Qual doutrinador dessa classificação?

SEM MEDO DE DIZER A VERDADE disse...

Eudes Borges, professor de Direito Penal e processual penal. Fica tranquilo.