terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O DIREITO DE LAJE E SUAS PECULIARIDADES

Muito se tem ouvido falar em direito de laje. No entanto, existem poucos estudos que esclareçam sobre o tema. Pensando nisso, resolvi fazer um breve comentário acerca do assunto, trazendo alguns aspectos relevantes sobre o direito de sobrelevação.

Pois bem. Como sabemos, o Brasil é constituído por uma população, em sua maioria, de pessoas pobres, bem como por uma extensa área territorial de morros e favelas. Filhos ou filhas que edificam suas casas sobre a laje da casa de seus pais; irmãos que constroem sobre a laje de irmãos, etc.

Há muito tempo essas construções irregulares vinham causando problemas de natureza tributária e destoava dos preceitos constitucionais de moradia digna, assegurados pela Constituição da República, já que não havia legislação que disciplinasse a matéria.

Tentando diminuir os problemas dessas construções irregulares e clandestinas, o atual presidente da República, publicou a Medida Provisória de nº 759/2016 para, além de melhorar o sistema de arrecadação tributária, trazer ao mundo jurídico uma norma que pudesse regulamentar essas edificações periféricas.

Inseriu-se no Código Civil, através do Artigo 1.510/A, o direito de laje, tratando de forma mais precisa sobre a possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo, além de ter sido acrescentado no rol dos direitos reais.

Com isso o Governo Federal resolveria dois problemas:

a) legalização das propriedades sobrelevadas construídas nos morros e periferias;

b) aumentaria a arrecadação, já que para regularizar a situação de cada imóvel, os proprietários terão que desembolsar os elevados impostos sobre a transação, perante os cartórios de registros de imóveis e nas prefeituras.

O grande problema dessa regulamentação, na prática, se esbarra na seguinte situação:

Se a maioria dos posseiros dessas propriedades é pobre, sendo moradores de favelas, morros e de periferias, como no caso do Rio de Janeiro, que é o campeão de imóveis nessa situação e aqui em Recife, o bairro de Casa Amarela, como conseguirão regulamentar o direito de laje perante os cartórios, já que não possuem dinheiro suficiente para pagar as taxas, emolumentos e tributos devidos?

É pertinente esclarecer que, de acordo com a legislação, para o proprietário registrar o seu imóvel perante o cartório competente, precisa apresentar os seguintes documentos básicos:

a)     Parecer de um topógrafo para analisar a situação do terreno;
b)     Projeto assinado por um engenheiro, que vai apresentar o plano da construção do imóvel;
c)     O alvará de construção a ser emitido pela Prefeitura;
d)     O habite-se ou o aceite-se, que também são emitidos pela Prefeitura;
e)     O cadastro do imóvel no IPTU.

Somente depois de conseguir toda essa documentação, que não são emitidas de forma gratuita, é que o posseiro pode se dirigir ao cartório de registro de imóvel, para dar entrada na escritura ou averbação (depende do caso concreto).

Pois bem. Ao chegar no cartório, deverá o pretenso proprietário, além de apresentar todos esses documentos, pagar as taxas e os emolumentos, que por sua vez, deverão ser calculados de acordo com o valor venal do imóvel.

Ora! Partindo desse pressuposto, como poderá uma pessoa humilde e sem recursos financeiros, que é o caso da maioria dos posseiros desses imóveis lajeados, desembolsar centenas de reais que não possuem?

Sem contar que o legislador não regulamentou como os cartórios deverão proceder com os proprietários dos imóveis já construídos e que se encontram habitados há anos, como é o caso da maioria. Deverá o cartório exigir todas essas documentações relacionadas acima para os imóveis já construídos e habitados? Ou deverá proceder com o registro, somente com os pagamentos das taxas e emolumentos?

Seja qual for a situação, o pobre não terá como regularizar seu imóvel, já que não terá dinheiro para pagar os elevados valores cobrados pelos cartórios e pelas prefeituras.

Outra questão que o legislador não regulamentou foi o que tange ao direito de preferência. De quem seria a preferência em caso de alienação de qualquer das unidades, por parte de seus respectivos titulares? Poderá um terceiro estranho ter preferência em lugar de um dos titulares? Não se tem resposta legal sobre isso.

Outro ponto que ficou obscuro na mencionada legislação foi acerca das construções que têm mais de dois pavimentos.

Ora! Como se vê, principalmente nas favelas do Rio de Janeiro, existem construções com mais de dois pavimentos e que neles moram possuidores diferentes. O direito de laje não tratou dessa situação, já que o parágrafo quinto do Artigo 1.510/A proíbe o adquirente de instituir sobrelevações sucessivas, ou seja, na prática, só poderá ser registrada no cartório de imóvel, uma única laje.

Como então registrar as sobrelevações com mais de dois pavimentos? Impossibilidade jurídica na certa. Esta é mais uma falha do legislador com relação a regulamentação do direito de laje e que terá que ser resolvida com urgência.

Dito isto, passemos a analisar o lado positivo da tão criticada legislação que assegurou o direito de laje.

Podemos destacar que: como avanço, passou-se a permitir na prática, nessas diferentes unidades imobiliárias, onde há coexistência simultânea, a possibilidade de titularidades distintas com acessos independentes, isolamento funcional, matrículas próprias e encargos tributários individualmente suportados pelo titular do direito de laje e não mais pelo proprietário originário.

A bem da verdade, para aqueles que podem pagar pela regulamentação, podemos então dizer que o direito de superfície possui várias peculiaridades que o tornam único, mas principalmente a de proporcionar a segurança jurídica da posse ao superficiário, assegurando-lhe o direito da propriedade do imóvel sobreposto. Esse é o ponto positivo da norma.

É o que trem a relatar,


Eudes Borges

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