Muito se
tem ouvido falar em direito de laje. No entanto, existem poucos estudos que
esclareçam sobre o tema. Pensando nisso, resolvi fazer um breve comentário
acerca do assunto, trazendo alguns aspectos relevantes sobre o direito de
sobrelevação.
Pois bem. Como
sabemos, o Brasil é constituído por uma população, em sua maioria, de pessoas
pobres, bem como por uma extensa área territorial de morros e favelas. Filhos
ou filhas que edificam suas casas sobre a laje da casa de seus pais; irmãos que
constroem sobre a laje de irmãos, etc.
Há muito tempo
essas construções irregulares vinham causando problemas de natureza tributária
e destoava dos preceitos constitucionais de moradia digna, assegurados pela
Constituição da República, já que não havia legislação que disciplinasse a
matéria.
Tentando
diminuir os problemas dessas
construções irregulares e clandestinas, o atual presidente da República,
publicou a Medida Provisória de nº 759/2016 para, além de melhorar o sistema de
arrecadação tributária, trazer ao mundo jurídico uma norma que pudesse
regulamentar essas edificações periféricas.
Inseriu-se
no Código Civil, através do Artigo 1.510/A, o direito de laje, tratando de
forma mais precisa sobre a possibilidade de coexistência de unidades
imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área,
de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a
fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída
sobre o solo, além de ter sido acrescentado no rol dos direitos reais.
Com isso o Governo Federal
resolveria dois problemas:
a) legalização das propriedades
sobrelevadas construídas nos morros e periferias;
b) aumentaria a arrecadação, já que
para regularizar a situação de cada imóvel, os proprietários terão que
desembolsar os elevados impostos sobre a transação, perante os cartórios de
registros de imóveis e nas prefeituras.
O grande problema dessa
regulamentação, na prática, se esbarra na seguinte situação:
Se a
maioria dos posseiros dessas propriedades é pobre, sendo moradores de favelas,
morros e de periferias, como no caso do Rio de Janeiro, que é o campeão de
imóveis nessa situação e aqui em Recife, o bairro de Casa Amarela, como
conseguirão regulamentar o direito de laje perante os cartórios, já que não
possuem dinheiro suficiente para pagar as taxas, emolumentos e tributos
devidos?
É
pertinente esclarecer que, de acordo com a legislação, para o proprietário
registrar o seu imóvel perante o cartório competente, precisa apresentar os
seguintes documentos básicos:
a)
Parecer de um topógrafo para analisar a situação do terreno;
b)
Projeto assinado por um engenheiro, que vai apresentar o plano da
construção do imóvel;
c)
O alvará de construção a ser emitido pela Prefeitura;
d)
O habite-se ou o aceite-se, que também são emitidos pela Prefeitura;
e)
O cadastro do imóvel no IPTU.
Somente
depois de conseguir toda essa documentação, que não são emitidas de forma gratuita, é que o posseiro pode se
dirigir ao cartório de registro de imóvel, para dar entrada na escritura ou
averbação (depende do caso concreto).
Pois bem. Ao
chegar no cartório, deverá o pretenso proprietário, além de apresentar todos
esses documentos, pagar as taxas e os emolumentos, que por sua vez, deverão ser
calculados de acordo com o valor venal do imóvel.
Ora!
Partindo desse pressuposto, como poderá uma pessoa humilde e sem recursos
financeiros, que é o caso da maioria dos posseiros desses imóveis lajeados,
desembolsar centenas de reais que não possuem?
Sem contar
que o legislador não regulamentou como os cartórios deverão proceder com os
proprietários dos imóveis já construídos e que se encontram habitados há anos,
como é o caso da maioria. Deverá o cartório exigir todas essas documentações
relacionadas acima para os imóveis já construídos e habitados? Ou deverá proceder
com o registro, somente com os pagamentos das taxas e emolumentos?
Seja qual
for a situação, o pobre não terá como regularizar seu imóvel, já que não terá dinheiro
para pagar os elevados valores cobrados pelos cartórios e pelas prefeituras.
Outra questão que o legislador não
regulamentou foi o que tange ao direito de preferência. De quem seria a preferência em
caso de alienação de qualquer das unidades, por parte de seus respectivos
titulares? Poderá um terceiro estranho ter preferência em lugar de um dos
titulares? Não se tem resposta legal sobre isso.
Outro ponto que ficou obscuro na
mencionada legislação foi acerca das construções que têm mais de dois pavimentos.
Ora! Como
se vê, principalmente nas favelas do Rio de Janeiro, existem construções com
mais de dois pavimentos e que neles moram possuidores diferentes. O direito de
laje não tratou dessa situação, já que o parágrafo quinto do Artigo 1.510/A proíbe
o adquirente de
instituir sobrelevações sucessivas, ou seja, na prática, só poderá ser
registrada no cartório de imóvel, uma única laje.
Como então registrar as sobrelevações com
mais de dois pavimentos? Impossibilidade jurídica na certa. Esta é mais uma
falha do legislador com relação a regulamentação do direito de laje e que terá que ser resolvida com
urgência.
Dito isto, passemos a analisar o
lado positivo da tão criticada legislação que assegurou o direito de laje.
Podemos
destacar que: como
avanço, passou-se a permitir na
prática, nessas diferentes unidades imobiliárias, onde há coexistência
simultânea, a possibilidade de titularidades
distintas com acessos independentes,
isolamento funcional, matrículas próprias e encargos
tributários individualmente suportados pelo titular do direito de laje e não
mais pelo proprietário originário.
A bem da
verdade, para aqueles que podem pagar pela regulamentação, podemos então dizer
que o direito de superfície possui várias
peculiaridades que o tornam único, mas principalmente a de proporcionar a segurança jurídica da posse ao superficiário, assegurando-lhe
o direito da propriedade do imóvel sobreposto. Esse é o ponto positivo da norma.
É o que trem a relatar,
Eudes Borges