CAPÍTULO I
DO BREVE RELATÓRIO DO CASO CONCRETO
Durante a
ditadura
militar, vários partidos e organizações de esquerda optaram pelo
caminho da luta armada. Tanto nas cidades como no campo, essa "oposição
armada" ao regime marcou profundamente a história política recente do
Brasil. No caso dos conflitos rurais, o mais importante e até hoje mais
controverso foi a chamada Guerrilha do Araguaia.
Ocorrida no
início da década de
1970, a
guerrilha levou este nome por ter sido travada em localidades próximas ao rio
Araguaia, na divisa entre os atuais estados do
Pará,
Maranhão
e
Tocantins
(na época, pertencente ao Estado de Goiás). A guerrilha foi organizada pelo
Partido Comunista do Brasil (PC do B), que, desde meados dos anos 1960, já
mantinha militantes na região do conflito.
O objetivo do
PC do B era angariar apoio da população local para, a partir do campo,
enfrentar a ditadura, derrubá-la, tomar o Estado e fazer a revolução. Antes de
definir-se pela luta armada, o partido apostou na estratégia de construção de
uma frente ampla democrática contra a ditadura. Essa linha política,
entretanto, não eliminou a opção armada.
Com a
decretação do AI-5, no final de 1968, e o endurecimento do regime militar, o PC
do B abandonou definitivamente a luta democrática em favor do enfrentamento
armado. O mesmo caminho foi feito por outros partidos e organizações, que, nas
cidades, deram início a uma onda de atentados e expropriações. O PC do B, ao
contrário, praticamente não se envolveu em ações urbanas. Isso, de certa forma,
preservou-lhe da perseguição da ditadura, garantindo melhores condições para
estruturar a guerrilha no campo.
Embora, até
então, as ações armadas mais espetaculares tivessem ocorrido nas cidades, parte
da esquerda revolucionária acreditava que a guerrilha rural também era um passo
decisivo rumo à revolução.
Com uma
estratégia que mesclava as experiências chinesa e cubana, o PC do B acreditava
que a deflagração da guerrilha representaria uma inflexão na oposição à
ditadura. Tanto é assim que, no começo de 1972, em meio ao endurecimento do
regime e à crescente perseguição nas cidades, o partido enviou para a região do
Araguaia boa parte dos membros do seu Comitê Central.
Para a
estruturação da guerrilha, foi criado uma Comissão Militar, à qual competia
coordenar três agrupamentos menores, formados por 21 militantes - cada um com
seu respectivo comandante. Os agrupamentos, por sua vez, subdividiam-se em três
destacamentos menores, de 7 militantes cada, incluindo um chefe e um subchefe
para cada grupo. Era, portanto, uma estrutura rígida, que visava não apenas
organizar os trabalhos no campo como também proteger-se da perseguição militar.
A divisão dos
guerrilheiros em uma estrutura de grupos e subgrupos fez com que nem mesmo
entre eles um destacamento conhecesse os integrantes dos outros. Essa divisão
em "células" e a utilização de nomes frios era uma estratégia para
que, em caso de captura, um militante não delatasse os demais, o que faria cair
a estrutura inteira.
O CONFRONTO
COM O EXÉRCITO
A versão mais
aceita dá conta de que a guerrilha, ainda não deflagrada, teria sido descoberta
pelos militares através de informações passadas por uma militante do PC do B.
Foi assim que, em abril de 1972, o Exército chegou à região à procura dos
guerrilheiros, que viviam misturados à população local.
Naquele
momento, praticamente 70 militantes do partido moravam na região, trabalhando
como agricultores, farmacêuticos, professores e comerciantes. Para não chamar a
atenção, o grupo não se envolvia com questões políticas. Por isso, dada a sua
integração, foi com grande surpresa que a população local recebeu a notícia de
que eram acusados de atividade subversiva.
Apesar de serem
infinitamente mais fracos que o Exército, os guerrilheiros conseguiram resistir
por quase dois anos às perseguições. Os militares precisaram de três campanhas
para, finalmente, encerrar o conflito na região do Araguaia, em dezembro de
1973, com a destruição da Comissão Militar. Daí em diante, as perseguições
continuaram, mas a estrutura da guerrilha já estava completamente desmantelada.
Àquela altura,
as bases do PC do B nas cidades também tinham sido duramente perseguidas, de
forma que o partido perdeu quase que por completo o contato com os guerilheiros
estabelecidos no Araguaia, literalmente isolados no meio da selva. As
investidas militares, inclusive contra os moradores - foram marcadas pela
extrema crueldade, tendo se transformado, sobretudo na fase final da guerrilha,
numa verdadeira caça aos comunistas.
O FIM
TRÁGIDO
O conflito do
Araguaia terminou com um trágico saldo: foram cerca de 76 mortos, sendo 59
militantes do PC do B e 17 recrutados na região. Também por isso, acabou se
transformando no principal confronto direto entre a ditadura militar e a
esquerda armada. Ocorrida sob intensa censura, a guerrilha nem mesmo chegou ao
conhecimento da população em geral, o que só ajudou a isolar ainda mais os
militantes do PC do B.
A confirmação
da existência da guerrilha na região por parte do governo só veio tempos depois
de encerrado o conflito. A perseguição aos guerrilheiros, segundo testemunhos
de militares que participaram da operação, moradores do local e sobreviventes,
teve requintes de crueldade, como decapitação e fuzilamento.
Em razão disso,
muitos corpos nunca foram encontrados. Desde os anos 1980, os familiares dos
guerrilheiros mortos vêm lutando, inclusive na Justiça, para que o Exército
libere documentos que comprovem a morte dos parentes. Os militares, porém,
continuam negando a existência de quaisquer documentos, o que já foi amplamente
contestado.
CAPÍTULO II
DAS AÇÕES JUDICIAIS INTERNAS INGRESSADAS
Diante desse
episódio nefasto que manchou a história do Brasil, em 19 de fevereiro de 1982,
22 familiares de 25 desaparecidos da Guerrilha iniciaram uma ação judicial de
natureza civil contra o Estado Federal, perante a Primeira Vara Federal do
Distrito Federal, a qual foi distribuída sob o nº 82.00.24682-5, solicitando
informação à União sobre a sepultura de seus familiares, de maneira que se
pudessem emitir os certificados de óbito, realizar o traslado dos restos
mortais.
Pois é. O
principal objetivo dessa ação era que as autoridades a quem era dirigida
procedessem à desclassificação de documentos sigilosos, que interessavam aos
familiares dos mortos e desaparecidos políticos para conhecer a verdade e
localizar os restos mortais de seus entes queridos, bem como possibilitar ao
Ministério Público Federal o acesso a seu conteúdo para promover as medidas que,
todavia, fossem possíveis para responsabilizar os violadores de direitos
humanos durante a ditadura milita.
Somente em junho
de 2003, a
Primeira Vara Federal finalmente analisou o mérito do caso e julgou procedente
a ação.
Por conseguinte, ordenou a desclassificação e
apresentação de toda a informação relativa às operações militares relacionadas
à Guerrilha do Araguaia e que se informasse sobre o local de sepultamento dos
desaparecidos, entre outras medidas.
Em agosto de 2003, a União apelou dessa
sentença. A apelação foi recusada pelo Tribunal Regional Federal, em dezembro
de 2004.
Posteriormente,
em 8 de julho de 2005, o Estado interpôs um Recurso Especial e um Recurso
Extraordinário. O primeiro foi declarado parcialmente procedente pelo Superior
Tribunal de Justiça, no que concerne à determinação do órgão judicial executor
da sentença de primeira instância e o segundo não foi admitido pelo Tribunal
Regional Federal.
Em 9 de outubro
de 2007, essa decisão transitou em julgado. Em maio de 2008, o expediente foi
reenviado à Primeira Vara Federal para iniciar a execução da sentença, a qual
foi ordenada em 12 de março de 2009.
Nesta data, em
consulta ao sítio eletrônico da Justiça Federal (http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?proc=8200246825&secao=DF&enviar=Pesquisar),
observa-se que os presentes autos ainda se encontram em tramitação(Com a
Diretoria)
DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTENTADA
Mediante
solicitação dos familiares, em 2001, as Procuradorias da República dos estados
do Pará e de São Paulo e do Distrito Federal iniciaram os Inquéritos Civis
Públicos No. 1/2001, 3/2001 e 5/2001, respectivamente, com a finalidade de
compilar informações sobre a Guerrilha do Araguaia. Os promotores elaboraram,
em janeiro de 2002, um “Relatório Parcial de Investigação sobre a Guerrilha do
Araguaia”.
Como
consequência dessas investigações, em 9 de agosto de 2001, o Ministério Público
Federal interpôs a Ação Civil Pública No. 2001.39.01.000810-5 contra a União,
com o propósito de fazer cessar a influência, através de assistência social,
das Forças Armadas sobre os habitantes da região do Araguaia, bem como obter da
União todos os documentos que contivessem informação sobre as ações militares
de combate à Guerrilha.
Em 19 de dezembro de 2005, a Primeira Vara
Federal declarou parcialmente procedente a ação.
Após a
interposição de um recurso por parte da União em março de 2006, a sentença de
primeira instância foi parcialmente reformada, mediante decisão de 26 de julho
de 2006, em razão do que se manteve somente a obrigação de exibir,
reservadamente, todos os documentos que contivessem informação sobre as ações
militares contra a Guerrilha.
Em setembro de 2006, a União interpôs um
Recurso Especial e um Recurso Extraordinário contra essa última sentença.
O Recurso
Especial não foi admitido pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme decisão
de 18 de agosto de 2009.
Logo da não
admissão do Recurso Extraordinário pelo Tribunal Regional Federal, a União
interpôs um Agravo de Instrumento perante o Supremo Tribunal Federal.
No marco deste recurso, em 7 de dezembro de 2009, a União solicitou que
se declare a perda de seu objeto, dado que o pedido de exibição de documentos
relativos à Guerrilha do Araguaia feito na Ação Civil Pública No.
2001.39.01.000810-5 já fora atendido no julgamento da Ação Ordinária No.
82.00.24682-5, a
qual adquiriu força de coisa julgada.
Por outra
parte, em 19 de dezembro de 2005, o Ministério Público Federal e a Comissão de
Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da
Violência do Estado, apresentaram uma petição de Notificação Judicial ao
Presidente da República, ao Vice-Presidente e a outros altos funcionários do
governo e das Forças Armadas, em relação à desclassificação de documentos
sigilosos que interessem aos familiares de mortos e desaparecidos políticos
para fins de conhecer a verdade e de localizar os restos mortais de seus entes
queridos, bem como de possibilitar ao Ministério Público Federal o acesso a seu
conteúdo.
CAPÍTUILO III
DA AÇÃO INTERNACIONAL INTENTADA PERANTE A
OEA
Em
abril de 2009, a
comissão Interamericana de D. humanos (CIDH), órgão da organização (OEA) que
cuida da observância dos Direitos Humanos nos países pertencentes à
organização, abriu uma ação contra o governo brasileiro por detenção arbitraria,
Tortura e desaparecimento de 70 pessoas entre Guerrilheiros, moradores da
região e camponeses ligados à Guerrilha do Araguaia durante a ditadura
militar brasileira.
Com
esta ação internacional, os representantes solicitaram ao Tribunal que ordene
ao Brasil a investigação dos fatos, o julgamento e a punição de todos os
responsáveis, em um prazo razoável, e que disponha que o Estado não pode
utilizar disposições de direito interno, como prescrição, coisa julgada,
irretroatividade da lei penal e ne bis in idem, nem qualquer excludente
de responsabilidade similar, para eximir-se de seu dever. O Estado deve remover
todos os obstáculos de facto e de iure, que mantenham a
impunidade dos fatos, como aqueles relativos à Lei de Anistia. Adicionalmente,
solicitaram à Corte que ordene ao Estado que: a) sejam julgados na justiça
ordinária todos os processos que se refiram a graves violações de direitos
humanos; b) os familiares das vítimas tenham pleno acesso e legitimação para
atuar em todas as etapas processuais, em conformidade com as leis internas e a
Convenção Americana, e c) os resultados das investigações sejam divulgados
pública e amplamente, para que a sociedade brasileira os conheça.
Em
14 de dezembro de 2010, o Brasil foi condenado pela CIDH por violação ao
direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade, à
liberdade, às garantias e proteção judiciais, à liberdade de pensamento e
expressão, em razão da detenção arbitrária, tortura e desaparecimento de 70
membros do Partido Comunista do Brasil e de camponeses da região do Araguaia no
período de 1972 a
1975. Em decorrência dessa responsabilização, a
Corte condenou o Estado brasileiro a
reparar as vítimas diretas e a sociedade em geral por meio da investigação
penal e da aplicação das sanções aos indivíduos responsáveis pelos crimes, da
localização do paradeiro dos restos mortais dos desaparecidos e da revelação de
toda a verdade relativa ao caso, do oferecimento de assistência médica e psicológica
aos familiares, da realização de um ato público de reconhecimento de sua
responsabilidade internacional, da capacitação de sua Força Armada acerca dos
direitos humanos e da tipificação do desaparecimento forçado de pessoas como
crime em sua legislação penal.
Para a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil, como signatário do Pacto de São
José da Costa Rica (tratado que instituiu a CIDH), deveria respeitar as normas
da CIDH, que prevêem a garantia dos direitos humanos, e adaptar a Constituição
nacional para respeitar os textos aceitos internacionalmente.
CAPÍTULO IV
DAS VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS
OCORRRIDAS NO EVENTO
Com estas
atitudes, incorreu o Brasil, nas violações fundamentais dos direitos humanos,
em face das torturas psicológica e físicas; o direito à vida, à liberdade de
pensamento e de expressão, que lhes foram destituídas através do regime militar
em comento.
Violações estas
referentes ao Artigo 5º e incisos da atual Constituição da República, assim
como ao Código Penal pátrio.
Mas, o intento
maior dos peticionários da ação, foi fundada no direito ao acesso à informação.
O direito de
acesso à informação está previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988
e regulamentado, inter alia, pelos seguintes decretos e leis: a) Lei No.
8.159, de 1991, que regulamenta a política nacional de arquivos públicos e
privados, o acesso e o sigilo de documentos públicos, entre outras
providências; b) Decreto No. 2.134, de 1997, que regulamenta o artigo 23 da Lei
No. 8.159 sobre a categoria dos documentos públicos secretos.
Além do direito
da proteção da família consagrado na no Artigo 226 da constituição.
DAS INFRINGÊNCIIAS AO DIREITO INTERNACIONAL
Diante do
exposto, verificou-se com o intento da ação internacional, as infringências dos
Artigos 1.1; 2, 8, 13 e 25 da Convenção Americana.
Pois é. Com
base no retardo injustificado e na ineficácia das ações de natureza não penal
interpostas, a Comissão solicitou à Corte que determine que o Estado incorreu
em violação dos artigos 8 e 25 da Convenção, em concordância com o artigo 1.1
do mesmo instrumento, em prejuízo das vítimas desaparecidas e de seus
familiares, assim como dos familiares da pessoa executada.
CAPÍTULO V
DA DEFESA DO ESTADO BRASILEIRO PERANTE À
CORTE INTERNACIONAL
Perante á Corte
Internacional, defendeu-se o Estado Brasileiro, em 9 de abril de 1999, por meio
da Advocacia-Geral da União, apresentando um escrito no qual indicou que, como
consequência de uma nova orientação empreendida a partir da consolidação do
regime democrático, havia sido promulgada a Lei No. 9.140/95, a qual reconheceu
como mortas as pessoas desaparecidas no período compreendido entre 2 de
setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 e criou a Comissão Especial que tinha,
entre outras funções, a de realizar todos os esforços para localizar os corpos
das pessoas desaparecidas. Indicou, ademais, que “restando comprovados […] os
esforços empreendidos pelo Governo Federal, através da Comissão Especial […],
não se concebe como plausível a existência de qualquer motivo para que a União,
caso dispusesse realmente das informações necessárias à localização das
sepulturas, se omitisse diante de um direito natural e inquestionável dos
autores”. Igualmente considerou que “não havendo qualquer mínima prova razoável
da existência de um suposto relatório da Guerrilha do Araguaia”, apresenta-se a
União absolutamente impossibilitada de atender ao respeitável despacho […] que
solicitou o encaminhamento do mencionado documento, que […] não se sabe, nem
mesmo, se um dia chegou realmente a existir”. Concluiu que não se justificava a
Ação Ordinária interposta, já que as pretensões dos autores haviam sido
atendidas com o reconhecimento das mortes e a consequente emissão dos
certificados de óbito, com base na Lei No. 9.140/95, e que a única prestação
específica que permaneceria pendente, a localização das sepulturas, seria
materialmente impossível em vista dos trabalhos realizados no marco da referida
lei.
O Estado
informou que, até 2006, foram realizadas 13 expedições à região do Araguaia,
com o intuito de localizar os corpos dos guerrilheiros desaparecidos, algumas
por seus familiares e outras por órgãos públicos. Além disso, prosseguem as
investigações sobre a possível “Operação Limpeza”, em que, por ocasião do final
da Guerrilha do Araguaia, os militares supostamente haviam retirado da área
todos os restos mortais dos guerrilheiros para posterior incineração. Em
particular, sobre o Grupo de Trabalho Tocantins, o Estado salientou que foi
criado com a finalidade de coordenar e executar as atividades necessárias à
localização, reconhecimento e identificação dos corpos dos guerrilheiros e dos
militares mortos durante a Guerrilha do Araguaia e posteriormente foi criado o
Comitê Interinstitucional de Supervisão do Grupo de Trabalho Tocantins, cujas
atividades vêm sendo acompanhadas pelas autoridades judiciais, e contam com a
participação do Ministério Público Federal.
Além disso,
ressaltou que foi criada uma equipe de entrevistas e contextualização de fatos,
constituída exclusivamente por civis, para entrevistar a população local e
recolher novos dados sobre eventuais locais de sepultamento. Por outro lado, o
Brasil informou que foi criado, em 2006, um banco de amostras de DNA dos
familiares das vítimas, para facilitar a identificação dos restos mortais que
sejam encontrados, o qual dispõe de amostras de 142 familiares de 108
desaparecidos políticos. Embora se tenha tentado utilizar a tecnologia e os
recursos disponíveis para obter a identificação dos restos mortais, em alguns
casos os resultados não foram conclusivos, em virtude das más condições dos
restos encontrados e à deficiente tecnologia disponível no momento em que foram
encontrados, mas prossegue o trabalho para identificá-los, valendo-se, para
esse efeito, de novas técnicas e do auxílio de diferentes instituições.
Defendeu-se
ainda o Estado Brasileiro, afirmando que reconheceu oficialmente sua
responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos forçados ocorridos durante o
período do regime militar, inter alia, por meio da Lei No. 9.140/95 e do
relatório “Direito à Memória e à Verdade” da Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos, o qual foi apresentado em um ato público com a
presença do Presidente da República, de diversas autoridades e de familiares
das vítimas do regime militar. Também o Ministro da Justiça, em nome do Estado,
realizou um pedido oficial de desculpas mediante um ato público realizado em 18
de junho de 2009, em que foram concedidos os benefícios de uma anistia política
a 44 camponeses da região, os quais foram perseguidos para prestar informações
sobre a Guerrilha do Araguaia. Adicionalmente, promoveu ainda outras medidas de
caráter imaterial. Quanto ao projeto “Direito à Memória e à Verdade”, conduzido
pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República,
salientou que compreende várias ações: a) a publicação e distribuição do
relatório Direito à Memória e à Verdade em escolas públicas; b) outras três
publicações a fim de ressaltar aspectos relevantes da luta contra o regime
militar.
CAPÍTULO VI
DAS DETERMINAÇÕES EMITITIDAS PELA CORTE
INTERNACIONAL NO JULGAMENTO DO PRESENTE CASO – CONDENAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
A Corte
Interamericana de Direitos Humanos, integrante da OEA (Organização dos Estados
Americanos), condenou a repressão e os crimes cometidos pelo regime militar
brasileiro durante a guerrilha do Araguaia. De acordo com sentença, que foi
divulgada em 14/12/2010, o Estado brasileiro é responsável pelo desaparecimento
forçado de 62 pessoas, entre os anos de 1972 e 1974.
Esta é a
primeira condenação internacional do Brasil em um caso envolvendo a ditadura
militar (1964-1985).
Para a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil, como signatário do Pacto de São
José da Costa Rica (tratado que instituiu a CIDH), deveria respeitar as normas
da CIDH, que prevêem a garantia dos direitos humanos, e adaptar a Constituição
nacional para respeitar os textos aceitos internacionalmente.
Ficou
reconhecido perante a corte internacional, através da presente sentença, que a violação do direito à integridade
pessoal dos mencionados familiares das vítimas verificou-se em virtude do
impacto provocado neles e no seio familiar, em função do desaparecimento
forçado de seus entes queridos, da falta de esclarecimento das circunstâncias
de sua morte, do desconhecimento de seu paradeiro final e da impossibilidade de
dar a seus restos o devido sepultamento. A esse respeito, o perito Endo indicou
que “uma das situações que condensa grande parte do sofrimento de décadas é a
ausência de sepultamento, o desaparecimento dos corpos e a indisposição dos
governos sucessivos na busca dos restos mortais dos de seus familiares”, o que
“perpetua a lembrança do desaparecido e dificulta o desligamento psíquico entre
ele e os familiares que ainda vivem”, impedindo o encerramento de um ciclo.
A esse
respeito, a Corte lembrou que, conforme sua jurisprudência, a privação do
acesso à verdade dos fatos sobre o destino de um desaparecido constitui uma
forma de tratamento cruel e desumano para os familiares próximos.
Adicionalmente,
a Corte considerou que a violação do direito à integridade dos familiares das
vítimas se deve também à falta de investigações efetivas para o esclarecimento
dos fatos, à falta de iniciativas para sancionar os responsáveis, à falta de
informação a respeito dos fatos e, em geral, a respeito da impunidade em que
permanece o caso, que neles provocou sentimentos de frustração, impotência e
angústia. Em particular, em casos que envolvem o desaparecimento forçado de
pessoas, é possível entender que a violação do direito à integridade psíquica e
moral dos familiares da vítima é consequência direta desse fenômeno que lhes
causa um grave sofrimento, o qual pode aumentar, entre outros fatores, em razão
da constante negativa por parte das autoridades estatais de prestar informação
acerca do paradeiro das vítimas ou de iniciar uma investigação eficaz para
lograr o esclarecimento do ocorrido.
No Capítulo
VIII da presente Sentença, a Corte declarou a violação dos direitos às
garantias judiciais e à proteção judicial, em virtude da falta de investigação,
julgamento e eventual sanção dos responsáveis pelos fatos do presente caso.
Tomando em consideração o anteriormente exposto, bem como sua jurisprudência, o
referido tribunal depôs que o Estado brasileiro deve conduzir eficazmente a
investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de esclarecê-los,
determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente
as sanções e consequências que a lei disponha. Essa obrigação deve ser cumprida
em um prazo razoável, considerando os critérios determinados para investigações
nesse tipo de caso.
Determinou
ainda a corte, que o Estado deve garantir que as causas penais que tenham
origem nos fatos do presente caso, contra supostos responsáveis que sejam ou
tenham sido funcionários militares, sejam examinadas na jurisdição ordinária, e
não no foro militar.
Diante disso,
decidiu a corte que o Estado brasileiro deve assegurar o pleno acesso e
capacidade de ação dos familiares das vítimas em todas as etapas da
investigação e do julgamento dos responsáveis, de acordo com a lei interna e as
normas da Convenção Americana. Além disso, os resultados dos respectivos
processos deverão ser publicamente divulgados, para que a sociedade brasileira
conheça os fatos objeto do presente caso, bem como aqueles que por eles são
responsáveis.
DETERMINAÇÃO DO PARADEIRO DAS VÍTIMAS
De acordo com
julgados daquela corte internacional, estabeleceu-se ainda o direito dos
familiares das vítimas de identificar o paradeiro dos desaparecidos e, se for o
caso, saber onde se encontram seus restos, pois constitui uma medida de
reparação e, portanto, gera o dever correspondente, para o Estado, de atender a
essa expectativa. Receber os corpos das pessoas desaparecidas é de suma
importância para seus familiares, já que lhes permite sepultá-los de acordo com
suas crenças, bem como encerrar o processo de luto vivido ao longo desses anos.
O Tribunal considerou, ademais, que o local em que os restos sejam encontrados
pode oferecer informação valiosa sobre os autores das violações ou a
instituição a que pertenciam.
DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR
A Corte julgou
que as reparações econômicas concedidas no direito interno “a título de
reparação” pelos desaparecimentos forçados são adequadas no presente caso. Por
esse motivo, não ordenará o pagamento de somas adicionais a título de dano
imaterial sofrido pelas vítimas de desaparecimento forçado. Por outro lado, com
relação ao dano imaterial sofrido pelos familiares das vítimas desaparecidas, o
Tribunal lembra que a jurisprudência internacional estabeleceu que, de acordo
com as circunstâncias do caso sub judice, os sofrimentos que as violações
cometidas causaram a esses familiares, a impunidade imperante no caso, bem como
a mudança nas condições de vida e as demais consequências de ordem imaterial ou
não pecuniária que estas últimas sofreram, a Corte julga pertinente fixar uma
quantia, em equidade, como compensação a título de danos imateriais para os
familiares indicados como vítimas no presente caso.
Em atenção a sua jurisprudência, em
consideração às circunstâncias do presente caso, às violações cometidas, aos
sofrimentos ocasionados e ao tratamento que receberam, ao tempo transcorrido, à
denegação de justiça e de informação, bem como às mudanças nas condições de
vida e às demais consequências de ordem imaterial que sofreram, o Tribunal fixou
o montante de US$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil dólares dos Estados Unidos da
América) para cada familiar direto e de US$ 15.000,00 (quinze mil dólares dos
Estados Unidos da América) para cada familiar não direto, considerados vítimas
no presente caso e indicados no parágrafo 251 da referida Sentença. As
indenizações ordenadas na aludida Sentença não obstaculizarão outras reparações
que, eventualmente, possam ordenar-se no direito interno.
Definiu ainda a
corte internacional, que O Estado deverá efetuar o pagamento das indenizações a
título de dano material, dano imaterial e por restituição de custas e gastos
estabelecidos na sentença diretamente às pessoas e organizações nela indicadas,
no prazo de um ano, contado a partir da notificação da presente Sentença, nos
termos dos parágrafos seguintes.
O Estado deve
cumprir as obrigações monetárias, mediante o pagamento em dólares dos Estados
Unidos da América, ou o equivalente em moeda brasileira, utilizando, para o
cálculo respectivo, o tipo de câmbio que esteja vigente na bolsa de Nova York,
no dia anterior ao pagamento.
Se, por causas
atribuíveis aos beneficiários das indenizações ou aos herdeiros, não for
possível o pagamento dos montantes determinados no prazo indicado, o Estado
destinará esses montantes a seu favor, em conta ou certificado de depósito em
uma instituição financeira brasileira solvente, em dólares dos Estados Unidos
da América, nas condições financeiras mais favoráveis permitidas pela
legislação e pela prática bancária. Caso a indenização de que se trate não seja
reclamada no transcurso de dez anos, os montantes serão devolvidos ao Estado
com os juros devidos.
Determinou
ainda a corte que, caso o Estado incorra em mora, deverá pagar juros sobre o
montante devido, correspondentes aos juros bancários de mora no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do
exposto, verificou-se ao longo do presente trabalho, que apesar de o Partido
dos Trabalhadores estar no poder interno do Estado brasileiro, e por ter sido
este também perseguido na ocasião da ditadura militar, observa-se que poucas
foram as atitudes tomadas com o fito de fazer garantir os direitos fundamentais
daqueles que foram massacrados pelo regime ditatório.
Foi necessária
a busca ao apoio dos órgãos internacionais, para que os familiares das 72
vítimas desaparecidas, ora vítimas de crimes lesa-humanidade, tivessem êxito em
ter o direito a informação acerca dos restos mortais de seus entes queridos,
assim como a obter uma indenização pela atrocidade supostamente praticada pelos
militares que dispunham do poder naquela ocasião.
Atualmente a
sociedade mundial não mais admite tais práticas desumanas, que venham por em
risco à vida, à liberdade de pensamento e de expressão, à integridade, à
liberdade individual e as garantias e proteção judiciais do ser humano.
Com esta
condenação, espera-se que o Estado brasileiro não mais incorra nos erros
praticados no passado, mas que a partir de então, valorize, acima de tudo, um
dos maiores princípios fundamentais constitucionais, assegurados no Artigo 1º,
Inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil, que é o da
dignidade da pessoa humana.
É o que tem a
dizer,
Eudes Borges