Quando Deus criou o homem e a mulher
(teoria da criação), ele instituiu o casamento. É o que consta no Livro de
Gênesis, capítulo 2.
A partir de então, foi instituída no
mundo a relação matrimonial. A orientação era para que esse relacionamento
fosse indissolúvel, custe o que custar. A mulher não tinha vez e sempre deveria
ser submissa ao homem, em prol desse relacionamento, ainda que falido fosse.
Mas nem tudo é eterno e, por
conseguinte, haveria de surgir uma fórmula de pôr fim a esse relacionamento,
quando o mesmo viesse a fracassar e a convivência a dois se tornasse incompatível.
Foi aqui que surgiu o instituto da dissolução matrimonial, objeto do presente
estudo.
Pois bem. O instituto do divórcio nada
mais é do que o rompimento do vínculo conjugal reconhecido pela lei. Ele rompe
o vínculo matrimonial, permitindo um novo casamento dos cônjuges divorciados. Põe
termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso, mas não
modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.
Com o fito de esclarecer melhor as
diretrizes do mencionado instituto, vou discorrer, de forma sucinta, o
surgimento do mesmo no direito brasileiro.
Pois bem. No Brasil, vemos que a
história nos mostra que foram quase dois séculos de luta pela emancipação do
Brasil como Estado Democrático de Direito e pelas garantias dos direitos
individuais. Como o casamento foi instituído pela lei da igreja, como vimos no
antigo testamento (Gênesis, cap. 2), a luta foi intensa, com relação à igreja
católica, para que houvesse uma maneira aceitável de romper com os casamentos
falidos.
No Brasil Império, por exemplo, inúmeras
foram as tentativas de redução do poder da Igreja em matérias do Estado e já no
Brasil República, de diminuição da interferência do Estado na vida privada.
Em 1822, com a proclamação da
independência e a instauração da monarquia (1822-1899), o Brasil permaneceu sob
influência direta e incisiva da Igreja, em matéria de casamento. O Decreto de
03.11.1827 firmava a obrigatoriedade das disposições do Concílio de Trento e da
Constituição do Arcebispado da Bahia, consolidando a jurisdição eclesiástica
nas questões matrimoniais.
Já em 1861, no Brasil Império, houve a
primeira flexibilização da Igreja Católica. O Decreto 1.144, de 11.09.1861
regulou o casamento entre pessoas de religião dissidente, de acordo com as
prescrições da respectiva religião. A inovação foi passar para a autoridade
civil a faculdade de dispensar os impedimentos e a de julgar a nulidade do
casamento. No entanto, admitia-se apenas
a separação pessoal.
Com a proclamação da república, em 15 de
novembro de 1889, enfim, houve a separação oficial entre a Igreja e o Estado e
a necessidade de regular os casamentos. Contudo, com a persistência da
realização exclusiva do casamento católico, foi expedido novo Decreto, nº 521,
em 26 de junho de 1890, dispondo que o casamento civil, deveria preceder as
cerimônias religiosas de qualquer culto.
A partir daqui foi disciplinada a
separação de corpos, sendo indicadas as causas aceitáveis: adultério; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do domicílio
conjugal por dois anos contínuos; e mútuo consentimento dos cônjuges, se fossem
casados há mais de dois anos.
No ano de 1893, o Deputado Érico Marinho
apresentou no Parlamento a primeira proposição divorcista. Em 1896 e 1899,
renovava-se a tentativa na Câmara e no Senado e, sete anos após, ou seja, em 1900,
o deputado provincial Martinho Garcez ofereceu projeto de divórcio vincular. A
proposição foi rejeitada; a influência da igreja era plena.
Finalmente, em 1901, o jurista Clóvis Beviláqua apresentou,
após seis meses de trabalho, seu projeto de Código Civil. Duramente criticado
pelo então senador Rui Barbosa e por vários juristas, seu projeto sofreu várias
alterações até sua aprovação em 1916. É o tão conhecido código civil de 1916.
Pois bem. Tal como no direito anterior,
permitia-se o término da sociedade conjugal somente por via do desquite,
amigável ou judicial. É a tão conhecida separação de corpos.
A sentença do desquite apenas autorizava
a separação dos cônjuges, pondo termo ao regime de bens, entretanto, permanecia
o vínculo matrimonial. A enumeração taxativa das causas de desquite foi
repetida: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave e abandono
voluntário do lar conjugal (art. 317). Foi mantido o desquite por mútuo
consentimento (art. 318).
Trinta e três anos mais tarde a indissolubilidade
do casamento tornou-se preceito constitucional na Carta Magma de 1934 e com a
nova Constituição de 1937 reiterou que a família é constituída pelo casamento
indissolúvel, sem se referir à sua forma. O mesmo preceito foi repetido nas
constituições de 1946 e de 1967.
Ainda na vigência da Constituição de
1946, várias tentativas foram feitas no sentido da introdução do divórcio no
Brasil, embora que de modo indireto. Seria acrescentada uma quinta causa de
anulação do casamento por erro essencial, consistente na incompatibilidade
entre os cônjuges, com prova de que, após decorridos cinco anos da decretação
ou homologação do desquite, o casal não restabelecera a vida conjugal.
Mais adiante, já nos meados do ano de 1969,
surgiu a Emenda Constitucional nº 1/69, outorgada pelos chefes militares, onde
previa que qualquer projeto de divórcio somente seria possível com a aprovação
de emenda constitucional por dois terços de senadores e de deputados.
No ano de 1975 foi apresentada outra
emenda constitucional, a de nº 5, permitindo a dissolução do vínculo
matrimonial após cinco anos de desquite ou sete de separação de fato. Em sessão
de 8 de maio de 1975, a emenda obteve a maioria de votos, porém insuficientes
para atingir o quórum exigido de dois terços. Mais uma tentativa fracassada. A
igreja tradicional venceu mais essa batalha.
Finalmente,
em 1977, o divórcio foi instituído oficialmente no Brasil, através da emenda
constitucional número 9, regulamentada pela lei 6.515, que entrou em vigor no
dia 27 de dezembro do mesmo ano. De autoria do senador Nelson Carneiro,
a nova norma foi objeto de grande polêmica na época, principalmente pela
influência da igreja católica sobre o Estado. A inovação permitia extinguir por
inteiro os vínculos de um casamento e autorizava que a pessoa casasse novamente
com outra pessoa.
Pois bem. Como vimos, até o ano de 1977,
quem casava, permanecia com o vínculo jurídico para o resto da vida. Caso a
convivência fosse insuportável, poderia ser pedido o desquite, que interrompia
com os deveres conjugais e terminava com a sociedade conjugal; os bens eram partilhados
e acabava a convivência sob mesmo teto, mas nenhum dos dois poderia recomeçar
sua vida ao lado de outra pessoa cercado da proteção jurídica do casamento. Nessa
ocasião o regime de comunhão de bens era total.
Até aqui a sociedade brasileira obteve
um grande avanço, mas ainda não era o que se pretendia, porque a mencionada lei
do divórcio, concedeu a possibilidade de um novo casamento, mas somente por uma vez.
O desquite passou a ser chamado de separação
e permanecia como um estágio intermediário até a obtenção do divórcio. Foi com
a Constituição de 1988 que passou a ser permitido divorciar e recasar quantas
vezes fosse preciso, conforme discorremos nas linhas a seguir.
Inicialmente, a Constituição de 1988, em
seu artigo 226, estabelecia que o casamento civil poderia ser dissolvido pelo
divórcio, mas desde que cumprida a separação judicial por mais de um ano nos
casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
Merece destaque especial, o § 3º da
Constituição e seu regulamento no Código Civil de 2002, que reconheceu outras
formas de constituição familiar, além da via do casamento, incluindo o reconhecimento
de uniões estáveis (o que não é objeto do presente estudo).
Ocorre que, uma alteração legislativa
precisava ser feita, ocasião em que entrou em vigor a Lei 7.841, que revogou o
art. 38 da Lei do Divórcio, eliminando a restrição à possibilidade de divórcios
sucessivos. Agora não havia restrição a dissolução matrimonial e nem limitação
a possibilidade de se casar quantas vezes fossem necessárias para se obter a
felicidade.
A sociedade evoluiu e o direito não
poderia ficar para trás, até que no ano de 2007 entrou em vigor a Lei 11.441/2007,
onde estabeleceu que o divórcio e a separação consensuais podem ser requeridos por via administrativa. É
conhecido como divorcio extrajudicial, onde se dispensa a necessidade de ação
judicial, bastando que as partes compareçam assistidas por um advogado, a um
cartório de notas e apresentar o pedido. Exceto quando o casal possuir filhos
menores de idade ou incapazes e desde que não haja litígio.
Finalmente em 2010 foi promulgada a PEC
do Divórcio, modificando, totalmente, o § 6º do art. 226 da Constituição
Federal. A partir dessa modificação constitucional, o casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio, sendo suprimido o requisito de prévia separação
judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois
anos. Aprovado, finalmente, o divórcio
direto no Brasil.
Diante do exposto, é de observar, que a
trajetória do instituto do divórcio no Brasil tramitou de forma lenta e com
muito trabalho, já que a igreja tradicional sempre teve muita influência no
parlamento e no campo judicial brasileiro, mesmo após a proclamação da república,
quando houve a separação entre a igreja e o estado e a necessidade de regular
os casamentos.
O direito deve caminhar com a sociedade.
Aonde há sociedade, ali deve estar o direito para regular os conflitos
interpessoais. Por isso, os nubentes não poderiam ficar reféns de um matrimônio
falido, em nome da preservação da família.
Logicamente que haveria de se legalizar
a dissolução conjugal, para que ambos os nubentes pudessem seguir tocando suas
vidas, em busca da felicidade, tendo a possibilidade de constituir novo
matrimônio, já que vivemos em um estado democrático de direito, sendo dever do
Estado garantir o respeito das liberdades civis, dos direitos humanos e as
liberdades fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica.
É o que se tem a discorrer sobre a matéria
Nenhum comentário:
Postar um comentário