Loja varejista
não tem legitimidade para ajuizar ação de busca e apreensão de bens como
geladeiras, fogões e televisores adquiridos em contrato de alienação fiduciária
por falta de pagamento das prestações do financiamento. Somente instituições
financeiras ou de pessoa jurídica de direito público titular de créditos
fiscais e previdenciários podem propor essas ações.
Com esse
entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve
extintos dois processos em que as Lojas Becker Ltda. pretendia promover a busca
e apreensão de produtos comprados por clientes inadimplentes. Em um caso,
queria de volta uma geladeira. No outro, buscava aparelhos de som, antena
parabólica, colchões e cantoneiras.
Os objetos foram
adquiridos por meio de financiamento estabelecido em contrato de alienação
fiduciária. Nesse negócio, o comprador (fiduciante) transfere ao credor
(fiduciário) a propriedade e posse indireta do bem, como garantia da dívida,
que termina com a quitação do financiamento.
Natureza do bem
O ministro Luis
Felipe Salomão, relator dos recursos da loja, explicou que é preciso definir a
natureza do bem para verificar em qual legislação a relação jurídica se
enquadra.
Sendo bem móvel
fungível (pode ser substituído por outro do mesmo gênero), e se o credor
fiduciário for pessoa física ou jurídica, aplica-se o Código Civil (CC). Quando
o bem é fungível ou infungível (impossível de ser substituído devido à sua
individuação) e o credor é instituição financeira, incidem as Leis 4.728/65 e
10.931/04 e o Decreto-Lei 911/69.
Nos casos
julgados, o ministro entendeu que a indicação de móveis e eletrodomésticos – a
princípio fungíveis – em contrato de alienação fiduciária pode torná-los
infungíveis. Assim, pode haver enquadramento tanto no CC quanto no Decreto-Lei
911.
Legitimidade
O relator
ressaltou que, até a edição do CC de 2002, somente as instituições financeiras
e as entidades estatais e paraestatais podiam celebrar contrato de alienação
fiduciária e apenas as operações previstas especificamente em lei poderiam ser
garantidas pela propriedade fiduciária. Isso porque os direitos reais somente
podem ser criados por lei, jamais pela vontade das partes.
“O Código Civil
de 2002 estendeu o campo material de aplicação dessa garantia real às pessoas
jurídicas e naturais indistintamente, uma vez que não impôs nenhuma restrição à
pessoa do credor, consoante se dessume da leitura atenta dos artigos 1.361 a
1.368”, explicou Salomão.
Nos contratos de
crédito direto ao consumidor que motivaram as ações, as Lojas Becker figuram
como vendedora e os compradores como clientes. No espaço destinado à
identificação do financiador constava apenas “instituição financeira”, sem
assinatura desse agente no contrato. A falta de uma instituição financeira no
negócio levou o ministro à conclusão de que o caso não se enquadra no
Decreto-Lei 911. Aplica-se, por tanto, o Código Civil.
De acordo com o
ministro, por disposição legal expressa, “é vedada a utilização do rito
processual da busca e apreensão, tal qual disciplinado pelo Decreto-Lei 911, ao
credor fiduciário que não revista a condição de instituição financeira ou de
pessoa jurídica de direito público titular de créditos fiscais e previdenciários”.
Seguindo o voto
do relator, a Turma negou o recurso por considerar que as Lojas Becker não têm
legitimidade para ajuizar ação de busca e apreensão prevista no Decreto-Lei
911.
Fundamento
diverso
As decisões da
Quarta de Turma mantêm acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul, que
confirmou a extinção dos processos sem julgamento de mérito. Contudo, o STJ
adotou outro fundamento.
No julgamento da
apelação, o tribunal gaúcho negou os pedidos de busca e apreensão das Lojas
Becker porque não havia assentamento do contrato no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do devedor, necessário para constituição da propriedade
fiduciária. Assim, negou o recurso de apelação contra a sentença que julgou o
processo extinto.
Sem se
pronunciar quanto à necessidade do registro, os ministros do STJ analisaram a
questão sob outro enfoque, que antecede qualquer discussão: a legitimidade
ativa da demanda.
Fonte: STJ
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