Conforme vimos no estudo anterior, a persecução penal é o caminho que percorre o estado para satisfazer a pretensão punitiva, uma vez que a este é dada o monopólio de punir (Jus Puniendi).
Vimos também, que o procedimento criminal brasileiro engloba duas fases: a investigação criminal e o processo penal.
Assim, dando continuidade a persecutio criminis, cabe-me agora, adentrar na terceira parte deste assunto, onde denominamos de Ação Penal Privada.
A ação penal pública é a regra no direito processual penal, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. Neste caso, o direito de ação é puramente do ofendido, ou seja, do particular.
A ação penal privada é promovida por meio de uma petição inicial, denominada Queixa Crime, mediante advogado, com poderes especiais para tal, que despachada (recebida) pelo Juiz, dá início ao devido processo penal privado.
Mesmo que a ação penal seja de iniciativa pública ou de iniciativa privada, será sempre direito público, uma vez que é exercida perante um poder público (Judiciário).
É justamente nessa posição, por ser direito público, que o Ministério Público também atuará no curso do processo, velando pela legalidade da persecução criminal até o seu final. (atuará na condição de custos legis).
As partes dessa ação privada são denominadas: Querelante: a vítima, ou seja, o fendido. Querelado: o autor do fato delituoso, ou seja, o acusado.
Antes de adentrar no mérito da temática, quero explanar acerca de alguns princípios que regem a ação privada, quais sejam:
Princípio da oportunidade ou da conveniência: Este princípio assegura que a vítima (querelante) ou seu representante legal, não está obrigado a ingressar com a queixa crime contra a pessoa que tiver praticado o suposto crime contra a sua pessoa (querelado). A lei lhe confere a faculdade de promover a ação e não uma obrigação. Diferentemente com o que ocorre com a ação penal pública, onde o MP, ao tomar conhecimento de fato delituoso, está obrigado a ingressar com a ação.
Aqui não, a vítima fica livre para escolher se quer processar do acusado ou não. Esta é a regra deste princípio da oportunidade ou da conveniência.
Princípio da disponibilidade: Tenho observado, que este princípio, é o princípio da mãezona, pois deixa certa regalias para a vítima, em detrimento para com o acusado. Senão vejamos:
Na ação penal privada, a vítima, que é o querelante, pode simplesmente deixar decair o seu direito de ação, pois não está obrigada a ingressar com a ação, conforme dissemos acima, assim como poderá desistir dela, após o início, perdoar o querelado, ou simplesmente abandoná-la.
Assim, esse princípio, dispõe a vítima, vários meios para agir diante do acusado, conforme relatado acima.
Princípio da intranscedência: Diz que a ação penal privada não pode atingir pessoas estranhas à autoria delitiva, alcançando tão somente autor, partícipe ou coautor do crime. Esse princípio tanto serve para ação penal pública como para a privada.
Princípio da indivisibilidade: Nos termos do Artigo 48 do CPP, se a vítima (querelante) desejar ajuizar a ação penal privada, deverá obrigatoriamente ajuizar contra todos os autores da infração penal. Não poderá jamais ela ajuizar a ação apenas contra um, se o crime foi cometido por duas ou mais pessoas. Deverá sim, ajuizar contra todos os autores, coautores ou partícipes do crime. Por isso, deverá o Ministério Público velar pelo cumprimento desse princípio, já que é o fiscal da lei.
Pra essa regra, há uma exceção segundo alguns doutrinadores. Se a vítima não souber identificar todos os autores, poderá sim ingressar com a ação somente contra os que ela identificou no momento. E mais tarde, ao tomar conhecimento da identificação dos demais, adita-se a queixa com relação a esses, devendo os atos processuais iniciar novamente com relação a estes.
Com relação a este sentido, a doutrina está dividida, parte dela assegura essa possibilidade de aditamento da queixa, já outra não admite o aditamento .
Da mesma forma, a renúncia ao direito de ação, deve ser estendida em favor de todos e não somente de um, nos termos do Artigo 49 do CPP.
DA TITULARIDADE PARA PROPOR A AÇÃO PRIVADA
Nos termos do Artigo 30 do CPP, quem tem legitimidade ativa para propor a ação penal privada é o ofendido (a vítima), através de advogado, com poderes especiais para tal (art. 41 do CPP), ou o seu representante legal.
Já nos casos em que o ofendido seja menor de 18 anos de idade, seja mentalmente enfermo ou tenha algum retardamento mental e não tiver representante legal ou em tendo representante legal, mas os direitos do ofendido colidam com os do representante legal, o Juiz nomeará de ofício ou a requerimento do MP, um curador especial para propor a queixa crime (ação penal privada), mas cabendo lembrar, que este curador especial não estará também obrigado a interpor a ação, em face do princípio da oportunidade ou conveniência, já relatado acima.
Vale ainda frisar, que com a morte do ofendido, seja em decorrência do próprio crime, ou por fato superveniente, ou ainda se este for declarado judicialmente ausente, o direito de oferecer a queixa crime ou de prosseguir com a mesma, caso esta já tenha sido proposta, passará para o cônjuge, ascendente, descente ou irmão, nos termos do Artigo 31 do CPP.
Preste muita atenção, pois aqui estamos diante da hipótese do denominado números clausus, que significa somente estes e nesta ordem. Por isso, peço cuidado ao amigo leitor, para que observe esta ordem elencada pelo CPP, para não incorrer em erro quando lhe for feita alguma pergunta neste sentido.
Nos termos do Artigo 36 do CPP, se comparecer mais de um destes personagens acima citados, querendo oferecer a queixa ou prosseguir com esta, terá preferência logicamente o cônjuge, pois como dito acima, trata-se número clausus.
Se o ofendido não tiver condições financeiras de constituir advogado para propor a ação, e não puder prover as despesas do processo, o juiz nomeará um defensor público para tal finalidade, nos termos do Artigo 32 do CPP e o isentará do pagamento das custas.
É importante mencionar também, que as fundações, as associações e as sociedades, poderão também exercer o direito de ação penal privada, devendo, no entanto, ser representadas por quem os seus contratos constitutivos o designarem, ou no silêncio destes, pelos seus sócios ou gerentes. É o que diz o Artigo 37 do CPP.
Deixo aqui mais um registro, de que nos crimes em que se procede mediante ação penal privada, a instauração do inquérito policial é dispensável, só sendo necessário, se a própria parte ofendida (que tem a legitimidade para propor a ação), requer, nos termos do § 5º do Artigo 5º do CPP.
DO REQUERIMENTO PARA PROPOSITIURA DA AÇÃO PENAL PRIVADA
Da mesma forma que se aplica com relação à ação penal pública, os requisitos da inicial para a propositura da ação privada, também são os mesmos, quais sejam:
A exposição do fato criminoso; O baseamento deste requisito é de que o réu irá defender-se dos fatos a ele imputados. A omissão de qualquer circunstância não invalidará a queixa, podendo ser suprida até a sentença.
A qualificação do acusado; Aqui o querelante irá individualizar o querelado, que é o acusado do crime, ou seja, identificá-lo, trazendo aos autos toda a qualificação do mesmo.
A classificação do crime; Deverá o querelante apresentar na queixa crime, a classificação do crime que supostamente tenha cometido o querelado, mas vale registrar, que a correta classificação jurídica do fato (capitulação legal) não é requisito essencial, pois não vinculará o juiz, que poderá dar ao fato, definição jurídica diversa.
E o rol de testemunhas: O querelado deverá arrolar as testemunhas na petição inicial (queixa).
CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES PENAIS PRIVADAS
A ação penal privada está classificada em três tipos, quais sejam:
Ação penal privada exclusiva: É aquela em que pode ser proposta pelo próprio ofendido ou pelo seu representante legal, ou seja, é aquela em que a lei não específica seu caráter personalíssimo, nem condiciona sua propositura à inércia do ministério público.
Assim, a ação privada exclusiva somente pode ser proposta pelo ofendido ou por seu representante legal. Especifica-se na Parte Especial do Código Penal quais os delitos que a admitem, geralmente com a expressão "só se procede mediante queixa". É o que ocorre, em princípio, nos crimes contra a honra (art. 145 do CP) e nos delitos contra a propriedade intelectual (art. 186, do CP), contra os costumes (art. 225 do CP).
Ação Penal Privada Personalíssima: As ações personalíssimas são aquelas que não sendo admissível queixa proposta por representante legal ou curador especial; sendo ela incapaz (doente mental, menor de 18 anos) não é possível a instauração da ação penal
São exemplos mais comuns de ações personalíssimas as referentes aos crimes de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (art. 236, do CP) e adultério (art. 240, do CP), em que os titulares são, respectivamente, "o contraente enganado" e "o cônjuge ofendido". Mortos ou ausentes estes, a ação penal não poderá ser proposta por qualquer outra pessoa. No caso de morte do titular a ação privada já instaurada não pode prosseguir, ocorrendo uma espécie de perempção.
Ação Penal Privada Subsidiária da Pública: Aqui cabe um debate e um esclarecimento bem cuidadoso, acerca dessa matéria, senão vejamos:
Nos termos do Artigo 29 do CPP, a ação de iniciativa privada pode ser interposta nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferecer denúncia no prazo legal.
Essa ação privada subsidiária da ação pública é sem dúvida alguma, uma garantia constitucional, pois está prevista no Artigo 5°, inciso LIX.
Qualquer que seja o delito que se apura mediante ação penal pública, se o Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo que, em regra é de cinco dias se o acusado estiver preso, e de quinze dias, se solto (art. 46 do CPP), poderá a ação penal ser instaurada mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
Isso não significa que, ultrapassados esses prazos, não mais possa ser iniciada a ação pública, e sim que se faculta à vítima a substituição pela ação privada.
Assim, pode intentar a ação privada subsidiária todo titular do interesse jurídico lesado ou ameaçado na prática do crime qualquer que seja a lei penal definidora do ilícito.
Conforme dito acima, a ação penal subsidiária, só tem lugar no caso de inércia do órgão do MP, ou seja, quando ele, no prazo que lhe é concedido para oferecer a denúncia não a apresenta, não requer diligência, nem pede o arquivamento.
Cabe registrar, que admitida à ação privada subsidiária, cabe ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la, oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal, nos termos do Artigo 29 do CPP.
Diante disso, não ocorre a extinção da punibilidade pela perempção na ação privada subsidiária em caso de inércia do querelante.
Pronunciando-se o Ministério Público pelo recebimento da queixa, ou na hipótese de aditá-la, passa ele, pela qualidade de titular do direito material (jus puniendi), a figurar no processo como assistente litisconsorcial, assumindo o seu papel de custos legis.
DO DIREITO DE RENÚNCIA
Nas ações penais privadas, ao contrário do que ocorre com as ações penais públicas, a lei confere ao titular do direito de ação (vítima / querelante), a faculdade de renunciar ao seu direito de ação.
A renúncia ao direito de ação está esculpida no Artigo 49 do CPP em diante e merece algumas considerações, quais sejam:
A renúncia logicamente só ocorre antes do início da ação, haja vista se tratar à renúncia ao direito de interpor a ação, no prazo legal, que é de seis meses.
Aqui, a vítima fica inerte esperando o tempo passar, sem que demonstre interesse em propor a ação contra a pessoa que lhe praticou o crime. Ela não é obrigada a processar quem lhe praticou crime, em respeito ao princípio da disponibilidade estudado acima. É a chamada renúncia tácita.
A renúncia pode também ser feita de forma expressa, nos termos do Artigo 50 do CPP, assinada pelo ofendido, pelo seu representante legal, ou pelo seu advogado com poderes especiais para tal.
Uma vez oferecida à renúncia, o direito de queixa não poderá mais ser exercido pela vítima.
Vale registrar, que a renúncia é ato unilateral da vítima, pois seus efeitos operam independentemente da vontade do autor da ação delitiva, pois esta só pode ocorrer antes do início da ação, conforme dito acima. O direito de renúncia extingue a punibilidade do autor da infração penal nos termos do Artigo 107, Inciso V, do Código Penal.
Em se tratando de crime cometido por mais de um autor ou partícipe, se a vítima utilizar do seu direito de renúncia, os efeitos desta recaem sobre todos os autos autores, em homenagem ao princípio da indivisibilidade da ação penal privada, assegurada no Artigo 49 do CPP, já estudado acima.
DO PERDÃO DO OFENDIDO
Antes de tudo, quero registrar, que o perdão do ofendido é totalmente diferente do direito de renúncia estudado acima. Aqui trata-se de ato bilateral, cuja ocorrência se dá já com a interposição da ação privada. Veja que a renúncia se dá antes da impetração da ação, enquanto que o perdão do ofendido só pode ocorrer após o ajuizamento da ação privada.
Assim, o perdão é ato bilateral, pois dependerá da aceitação do querelado, que deverá ser intimado para dizer se aceita ou não, nos termos do Artigo 58 do CPP. Caso não se pronuncie no prazo legal, que é de três dias, implicará em pedido aceito tacitamente.
O perdão do ofendido nada mais é do que a desistência da demanda por parte do querelante, com a aceitação expressa ou tácita do querelado. Ocorrendo o perdão, encerra-se, assim, a persecução penal.
É importante lembrar ainda, que este pode ocorrer em qualquer fase do processo, até antes de transitar em julgado a sentença, nos termos do Artigo 106, § 2º do Código Penal.
Da mesa forma, assegura ainda o Artigo 51 do CPP, que o perdão concedido a um dos querelados, se estenderão a todos, sem, contudo produzir efeitos ao querelado que se recusar a aceitar o referido indulto, prosseguindo-se assim, a ação com relação a este que não aceitou o perdão.
Diante disso, é vedado ao querelante perdoar apenas um ou alguns dos querelados. Se quiser, terá que perdoar a todos.
Já no caso de pluralidade de querelantes, o perdão concedido por um deles não prejudica o direito de ação dos demais, nos termos do Artigo 106, Inciso II, do Código Penal.
Por fim, cabe registrar, que o perdão do ofendido não se confunde com o perdão judicial, pois o primeiro é ato bilateral concretizado entre o querelante e a aceitação do querelado, enquanto que o último é ato do juiz da causa, que procede com o perdão judicial, nos casos previstos em lei. Uma coisa é um coisa; outra coisa, é outra coisa.
DA PEREMPÇÃO
Na ação privada, e somente nela, pode ocorrer a perempção, que gerará efeitos de extinção da punibilidade, nos termos do Artigo 107, Inciso IV do Código Penal.
Nos termos do Artigo 60 do CPP, a perempção pode ocorrer nos seguintes casos:
I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos;
II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36;
III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais;
IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.
Assim, ocorrendo uma dessa hipóteses acima, o Juiz poderá declarar de ofício, a extinção da punibilidade do querelado, pelo instituto da perempção, nos termos do Artigo 107, Inciso IV, do Código de processo Penal.
DO PRAZO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PRIVADA E DA DECADÊNCIA
Conforme dispõe do Artigo 38 do CPP, o prazo que o querelante tem para ingressar com a queixa crime, é de 06 meses. Se este deixar fluir in albis este prazo, ocorrerá, sem duvida, o instituto da decadência.
A decadência, conforme dito ao longo do trabalho, nada mais é do que a perda do direito de ação do autor.
Esse prazo decadencial inicia-se no primeiro dia em que a vítima toma conhecimento do fato delituoso praticado pelo suposto querelado. A partir daí, ela tem até 06 meses para ingressar com a queixa, sob pena de decair o seu direito de ação, em face de sua própria inércia.
Vale ainda informar, que, de acordo com o Artigo 61 do CPP, ocorrendo algumas das hipóteses de extinção da punibilidade prevista no Artigo 107 do mesmo diploma legal, o Juiz poderá declará-la de ofício, sem a necessidade de dar vista dos autos ao MP, diferentemente se ocorrer a morte do querelado, aí sim, neste caso, o Juiz dará vista dos autos ao MP, para falar sobre a certidão de óbito e depois deverá proferir uma sentença de extinção da punibilidade pela morte do agente. Preste atenção nisso pra não se confundir na pergunta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, conclui-se, que a ação de iniciativa privada é exceção, haja vista que a regra é a ação pública.
Vimos também que ela é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo, e quando a lei expressamente disser.
Aprendemos também, que a queixa deverá ser proposta impreterivelmente no prazo de 06 meses, sob pena de decadência, constituindo-se o ofendido, nessa situação, órgão de acusação, devendo ser observado todos os requisitos legais para a sua proposição perante o poder judiciário, para que a sua pretensão punitiva seja alcançada, pois a este incube o jus puniendi.
Destacamos também, que o querelante pode utilizar do instituto da renúncia e do perdão, sendo o primeiro ato unilateral e o segundo ato bilateral.
Por fim, destacamos os casos que podem gerar a extinção da punibilidade punitiva, em face da perempção, devendo, assim, o querelante ficar esperto para não ver sua queixa ser arquivada, em face de sua inércia. Pois a este incube o interesse de agir.
Com este assunto, de forma sucinta, encerra-se a temática ação penal, cabendo-me, em momento oportuno, adentrar nas fases processuais, o que será postado em data póstuma.
Autor: Eudes Borges